domingo, 24 de janeiro de 2010

(IN)VERSO


Leia os versos que escrevi

E leia todos que ainda não escrevi
Me decifre por entrelinhas com ar de mistério
E me mostre a explicação, se houver

Me passe a limpo de um jeito muito melhor
Fale a minha língua e me conte um segredo
Me dê um livro, mas nunca me ofereça café
Sou você

Deixe que eu me sinta imprevisível
E me diga mil vezes que surpreendo
Permita que eu vista minha fantasia
E que acredite nela

Releve se sou menina e me nina
Ignore se às vezes sou meio boba
Cante pra mim quando eu estiver com sono
E brinque comigo sempre que eu precisar

Me carregue no colo como se fosse leve
Tire de mim todos esses medos que tanto pesam
Faça de conta que sou criança
Que eu deixo

Não me dê nenhum diamante
Me mostre a gota de orvalho na flor
Me faça sorrir de mim mesma
Se faça sorrir de nós mesmos

Enovele a nossa vida
Perdoe meus olhares
Conheça cada rima
E entenda

Conheça minhas fases e minhas frases
Mas fique perto em todas elas
Mesmo quando eu disser que prefiro que fique longe
É tudo mentira

Quando eu disser coisas demais
Me peça pra calar
O que é de verdade
Cabe no silêncio

Abra os olhos e me note, me anote
Às vezes só quero fazer pose pra você me ver
Abra os olhos e faça conta de mim
Quando eu quiser fazer de conta que sou de você

Me abrace o mais forte que puder
Conheça cada abraço meu
E se afaste de qualquer razão
Não diga nada

Esgote sua visão em mim
Me veja por inteiro
Me veja em relevo
Eu não te ofereço metades

Me escreva cartas pra eu guardar
Mesmo depois de anos e anos
Me escreva como se fosse a primeira vez
Palavras não ficam velhas

Nunca mude nenhuma letra
Daqueles nossos velhos rascunhos
Não conte nossa história pra ninguém
Pra que ela sempre seja nossa

Não me desenhe na pedra
Porque eu não sou eterna
Me risque sorrindo na onda
Ou na espuma branca daquele mar

Sofra as minhas dores
As dores desse amor bonito
Seja o primeiro a dizer sim
Enquanto todo o mundo disser não

Logo você que é nômade
Entrou em mim e ficou
Não preciso rimar mais nada
Você eu sou

No final de cada dia você parecerá louco
E quando nada disso te importar
Será a hora certa, o encontro que marcamos
E será daqui até a eternidade que desconhecemos


--

ps: Eu escrevo. Invento. Imagino. Sonho. E nesses sonhos, às vezes ultrapasso os limites da razão que eu vivo. Aqui eu expulso sim, meus sentimentos quase inconfessáveis. Mas nem sempre minhas palavras são fruto da minha realidade.
Esse blog não é um diário virtual. Faço das palavras do Cazuza, minhas palavras:

"
Cantando a gente inventa. Inventa um romance, uma saudade, uma mentira... Cantando a gente faz história."

Sigo fazendo história...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

MANO VELHO



Às 6:30 da manhã acordo. Às 7:00, saio de casa. Às 9:40 como alguma coisa pra despistar a fome. Às 13:00, almoço. Mas não é assim pra todo mundo. Talvez a gente possa nos diferir pelos nossos próprios horários malucos. O servente do pedreiro que está trabalhando aqui perto da minha casa deve levantar mais ou menos no mesmo horário que eu. Mas nossas vidas tomam rumos diferentes a cada vez que o sol nasce outra vez. Às 7:00 ele começa a trabalhar. Às 9:40, continua trabalhando. Ao meio dia recebe sua marmita e come calado. Come quieto como bom mineiro. Às 17:00 ele recebe seus míseros trinta reais diários e volta pra casa. Encontra a esposa, talvez mal-humorada, reclamando das contas que chegaram. Ou quem sabe feliz, pelo simples fato de ter vencido mais um dia. Encontra os filhos chupando o dedo. E talvez ele chupe o dedo também. Quando estava voltando da viagem que fiz para a praia, vi um moço pela estrada, de madrugada. O relógio devia estar marcando umas 4:00, no máximo. Ele caminhava como quem já não quer nada.

Desde muito antes de Cristo as pessoas já sentem essa necessidade maluca de serem controladas pelo tempo. Relógios de sol, de água, de areia. Relógios de pêndulo, de parede, de bolso, de pulso, digitais. Desapareceu do mapa o nosso relógio biológico. Somos controlados e cruelmente limitados por ele, que dita todas as regras. Que diz a hora certa de almoçar, jantar, acordar, ir dormir, sair para o trabalho, voltar pra casa, dormir com a esposa.

Quem acorda depois das nove é preguiçoso e não quer saber de nada. Onde já se viu? Quem acorda antes do despertador é ativo, animado, disposto, trabalhador. E “Deus ajuda quem cedo madruga”, então ta aí uma pessoa de sorte. Quem almoça as dez da manhã é um descarado, insano de tudo, totalmente sem noção. Perdido na vida. Dá dó. Quem almoça depois das três da tarde é um tremendo farrista. Festeiro nato, é claro. Deve ser meio folgado, não quer saber de trabalho e deixa a vida levar. Ah, e é provável que esteja comendo churrasco enquanto você, pessoa normal que acorda as seis pra trabalhar, faz o horário de almoço direitinho ao meio dia e chega de volta na hora certa todos os dias e às vezes faz até hora extra, que é pontual, trabalhador e correto com suas obrigações, que janta no horário certo e dorme cedo, está aí. Pois ainda digo que quem dorme tarde demais é meio vagabundo. Não tem muito o que fazer, provavelmente não tem emprego ou ocupações. Ah, e o que esse alguém fica fazendo até tão tarde também é de produtividade duvidosa. Talvez assista programas inúteis na televisão, talvez entre em sites de pornografia na internet, enfim. Esse é o perfil dos que arrastam madrugada afora de olhos bem abertos. Afinal, pessoas equilibradas dormem cedo, portanto assistem ao Jornal Nacional, à novela das nove e, quando muito, ao BBB. Certo?

Errado. É muito chato viver nessa correria idiota que a gente vive. Corremos sem saber pra onde, sem saber se chegaremos inteiros. E quase nunca chegamos. E a cada parada estamos mais vazios. A cada ponto em que paramos pra respirar, menos ar consegue chegar aos nossos pulmões e menos gente conseguimos enxergar, de fato, ao nosso lado. Tanta gente que desceu na estação anterior. Tanta gente que já se foi, não agüentou a pressão. Estamos sós. A nossa companhia é o tempo, nosso próprio assassino. Cada segundo é um segundo a mais e um segundo a menos. Um segundo que chegou e que se foi, muito antes de você notar. Não deu tempo nem de piscar os olhos e mais um ano de passou. Um ano, dois, três, quatro... Uma década. De vida.

O que a gente faz da vida da gente é responsabilidade nossa. Não, o acaso não tem culpa. O destino não é tão cruel assim. É errado a gente sempre se esconder na fatalidade e se consolar com impossibilidades. Mas é certo a gente pensar direito no que queremos para o próximo segundo, que era futuro, se fez presente e virou passado antes de você ler. Já dizia Cazuza, que o tempo não pára e a gente ainda passa correndo. Ouvi hoje uma coisa muito inteligente: pra gente conseguir ter orgulho do nosso passado, precisamos estar satisfeitos com nosso presente. Satisfação no hoje é isso. É presente.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

AS MINHAS CORES

Não sei se abro os olhos para os tons do mundo ou se os mantenho fechados e me declaro eternamente virgem da vida. Não sei se entro em jejum por dias, semanas, meses, pela vida inteira, ou se engulo tudo de uma vez só. Não sei se espero a largada e por fim me comporto como gente sã que não sou ou se fujo agora mesmo e sem deixar pistas. Não sei se participo do jogo, se cumpro as regras, se entro na fila de qualquer migalha, se danço conforme a música ou se finalmente explodo nessas minhas cores que têm o péssimo costume de irritar os olhos de quem me vê. Minhas cores são luminosas e não fazem bem às retinas comuns como a sua. Preciso de uma pupila dilatada que vai, silenciosamente, me entender, sem fazer o menor ruído. Preciso de um coração pelo avesso que me ajude a fotografar a vida. Porque não sou eufônica, sou eufórica. Não sou dosada, não sei ter medidas, não sei quando parar e corro demais. Tenho todas as cores que existem no universo dentro de mim.

Preciso da minha caneta de fru-fru rosa e do meu caderno novo com desenho de bichinhos coloridos, pra simplesmente te contar.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

DO NOSSO MODO TORTO

Certa feita houve um alguém de nome composto e curioso que entrou na minha vida através de trocadilhos, talvez muito antes de participar dela. Alguém que, de longe, me parecia muito maior do que, mais tarde, vim a descobrir que é. Era alguém que sabia muito bem o que a vida era – digo, o que a vida é: um pisca-pisca. E entendia muito bem que a vida, especialmente a dela, era um rosário. Que recitava poemas de cor. E que escrevia poemas sem nenhuma cor. Era alguém de riso fácil e aberto, mas que dificilmente ficava feliz ou se abria verdadeiramente. Era contraditória, e aí estava o maior trocadilho de todos. Era alguém de humor variável, que tinha fases como a lua e como eu e que oscilava entre palavra e letra num riso de estrela. Ela estava condenada a uma prisão perpétua, dentro de si. Acho que eu também. Mas a diferença é que eu tinha fome de toda a liberdade do mundo. Meu coração tinha asas e coragem suficiente pra voar. Eu tinha sede da vida, e queria tomar a vida toda de uma vez, num gole só. Eu corria rápido demais, mas parava muito durante o caminho. Ela caminhava devagar e sem pressa, mas quase sempre chegava antes de mim. Nossa união foi um passeio, um role, um sonho de irmandade. E os sonhos eram nossa maior viagem. Viajávamos longe por eles e para eles e nem ligávamos se não dava em nada. Ela era alguém que temia as borboletas, temor esse que de alguma forma que eu não sei bem como explicar, me encantava. Era uma hipocondríaca, que tudo sentia sem nunca sentir nada. Era alguém que não tinha apenas duas caras, como todos nós temos. Ela tinha incontáveis faces que eu nunca conseguia desvendar. Ela era um paradoxo. Era ela paralela a si mesma. Era muita pretensão querer entender.

De longe, cheguei a pensar que as semelhanças nos aproximariam em alguma esquina. Nossas músicas, nossas palavras, nossas cores, nossas rimas, nossos sonhos. Mais tarde vim a perceber que foram as ditas cujas semelhanças, malditas, que nos afastaram de um jeito talvez irreversível. A palavra dita não volta. É que nós, que sempre gostamos muito de dizer e dizer de tudo, dissemos demais. Porque ouvimos as mesmas músicas, lemos os mesmos livros e gostamos de cores que, de algum modo (talvez do nosso modo) combinam. Eu não sou delicada. Ela também não é. Por isso, não soubemos nos afastar de um jeito sutil, sem que ninguém percebesse e sem choque. Somos fortes. Somos feras. As duas. E, como fortes feras que somos, quase lutamos com toda a força que não tínhamos. Nossa força está no coração. E foi assim que eu lhe dei um apelido, ela me deu uma música. Eu lhe dei minha loucura, ela me deu um sorriso. Eu lhe dei minha palavra, ela me deu a melodia. E por fim, demos uma à outra o cheque-mate. Chegou ao fim, morreu. E foi assim que nos afastamos. No susto. No impulso. No ímpeto. De repente, nos repelimos, como dois átomos de cargas iguais que não se atraem. A diferença é que átomos de cargas iguais jamais se atraíram, em hipótese alguma. E nós... Nós chegamos a acreditar, em algum momento, que seríamos uma para a outra a irmã que jamais tivemos. Não fomos e nem seremos. Em certo momento, caminhamos lado a lado nos passos, mas nunca no sentimento. A verdade é essa e é preciso que ela seja dita, porque gosto de verdades. Acredito que ela também goste. E acredito que, no fundo, ela já saiba de cada palavra minha. Ela se conhece e me conhece muito bem.

Talvez nunca tenhamos gostado verdadeiramente uma da outra, mas sempre soubemos quem éramos. Estivemos por um longo tempo lado a lado, mas nunca no mesmo chão. Ela morava na Terra e eu talvez nem soubesse onde morava. Ela me julgava louca, mas eu sei que no fundo ela também era. Concorríamos na nossa loucura e em quase tudo, porque éramos diferentemente iguais, porque éramos ímpares, singulares. Tínhamos o mesmo contorno, mas nos preenchíamos de modos muito diferentes. Vivíamos em eixos simétricos. Éramos vetores de mesma direção, mas sentidos opostos. E apesar de todo o peso que nós mesmas colocamos em nossas próprias declarações, nunca houve amor.