quinta-feira, 23 de junho de 2011

PARA FLÁVIA.

Há pessoas das quais a gente gosta sem precisar conhecer a fundo. Gosta porque gosta. Gosta do nome, da risada, do jeito de falar. E quando essa afinidade existe, não é preciso muito tempo pra gente notar. Nesses casos, uma conversa mais longa só serve pra constatar algo que já existia desde o início. Que já estava dentro do coração, onde é mais importante que esteja. Afinidade não é, necessariamente, ser muito parecido. Acho até que afinidade está diretamente relacionada com admiração. Foi assim com a Flávia.

Ontem ela me disse tanta coisa sobre a vida, a família, a profissão, o amor! Fiquei pensando. Não consegui falar muito, embora tivesse muita coisa pra dizer. Guardei pra quando fosse escrever. Incrível como tudo fica mais bonito quando eu registro.

Ela me disse sobre como seu mundinho era pequeno antes de conhecer a poesia. Falou também sobre como decidiu ser professora. Sobre o modo estranho e curioso com que conheceu o namorado. Sobre as delícias e amarguras de ser uma professora de literatura. Sobre os sonhos de menina, concretizados ou não. Sobre os melhores livros. Sobre os contos da Lygia Fagundes Telles, especialmente os que estão no livro “Antes do baile verde” que, por sinal, a Flávia me emprestou. Sobre o que vale e o que não vale a pena. Falamos um pouco de tudo naquela manhã. No final, ela me agradeceu por tê-la ouvido. E eu fiquei feliz por ter visto tanta coisa bonita em uma pessoa.

A Flávia nasceu em uma cidade que eu não conheço. Veio morar em Belo Horizonte pra cursar Letras na UFMG. Assim decidira quando, no Ensino Médio, teve uma professora de Literatura com sobrenome idêntico ao seu que lhe mostrou um poema do Manuel Bandeira. Ela me disse que nesse dia, mais precisamente depois de ter lido esse poema, sua vida mudou. Acho que deve ter sido encontro. Não meramente com a poesia, mas consigo mesma. Ou com tudo o que ela sonhava em ser na vida. E foi.

Confesso que senti um aperto no coração quando ela me disse sobre como era triste estar de frente a uma turma numerosa e não ser ouvida por ninguém. É muito difícil encontrar alguém que saiba ler poesia nos dias de hoje. Ela me disse que, nessas horas, costuma relembrar o conto da linha e da agulha, que foi escrito pelo Machado de Assis. O conto se chama “Um Apólogo”. Se não me falha a interpretação, é um conto triste. Mas serve perfeitamente pra que a gente pare pra pensar, quando é preciso. E pensar, mesmo que o pensamento e a reflexão nos levem à tristeza, é preciso. E muito precioso.

A Flávia disse que às vezes sente um vazio. Não falei nada nesse momento, mas pensei: também sou assim. Acho que, no fundo, todo mundo é. A Clarice Lispector, que inspira tanto a mim quanto à Flávia, disse que “todo mundo é um pouco triste e um pouco só”. É verdade. Solidão é sentir que aquilo que a gente faz com o maior amor do mundo significa muito pouco para alguém. É quando a gente questiona o que, afinal, estamos fazendo aqui no mundo. E qual o nosso papel. É triste demais questionar algo assim. Mas quem nunca o fez? Solidão é também sentir que a gente fala e fala e fala e parece que nossas palavras estão sendo ditas em outro idioma, totalmente desconhecido e indecifrável para a maior parte das pessoas. A gente sente solidão quando os detalhes da nossa vida perdem o sentido. Quando as nossas sutilezas, nosso íntimo e nosso interior não são notados. Quando a poesia que grita nos nossos olhos parece impossível de ser interpretada. Quando comunicar-se fica inviável. Aí, nesse parte da história, passamos a preferir o silêncio. Isso acontece comigo. E é ruim preferir se calar. Mas, às vezes, prefiro.

Achei bonito quando ela me falou sobre o seu Hernane. Sobre os tantos livros que ela lê em voz alta enquanto ele, deitado em seu colo, aprende a gostar das palavras como gosta dela. Sobre o amor deles, que é esquisito e fora do padrão. Sobre a história deles, que é curiosa e, ao mesmo tempo, muito romântica. Sobre eles, que parecem ser tão parecidos nessas peculiaridades. Caio Fernando Abreu, que também nos inspira muito, dizia que “num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra”. Hernane e Flávia se reconheceram. Conhecer e reconhecer um amor assim, no meio desses (des)amores todos, é alegria de poucos.

Minha admiração foi enorme quando ela contou sobre as dificuldades que enfrentou pra realizar seus sonhos e chegar aonde chegou. Disse que tem medo de cair na mediocridade, de ser comum, mediana, mais ou menos, só mais uma. Eu não disse muita coisa nesse momento. Se não me engano, tentei convencê-la de que isso jamais aconteceria, porque ela fazia o que amava. E todo mundo que faz algo com e por amor não corre o risco de parecer medíocre. Amor e mediocridade são coisas que não se aliam. É por isso que a Flávia ensina tão mais do que a língua portuguesa exige. Porque existe amor.

Queria dizer que... Hoje, uso as crases com muito mais facilidade. E que sei exatamente a diferença entre os gêneros épico, lírico e dramático. E que aprendi quase que inteiramente as Novas Regras Ortográficas. Sei que ditongos abertos não são mais acentuados. Sei que a Semana de Arte Moderna, em 1922, revolucionou a literatura brasileira. Sei que é preciso muita imaginação pra interpretar um poema concreto. Sei também que existem sujeitos dos mais diversos e que às vezes é chatíssimo classificá-los. Mas nada disso é o principal.

O principal é olhar a Flávia e ver nela uma parte do que eu quero ser. É ver uma menina cheia de sonhos que enfrentou coisas muito difíceis pra se tornar mulher. E que é digna de toda a minha admiração.


Flávia, quando for falar de português, literatura, ou mesmo de você, sempre estarei escutando...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

GOIABADA COM QUEIJO



Cada geração traz consigo um amontoado de jeitos e trejeitos típicos. O tempo passa e tudo se renova. Os novos mocinhos fazem do mundo o cenário para suas ambições, seus modismos e sua vida moderninha. Até os sentimentos se confundem nessa dança estranha que leva embora tudo o que já foi. Nesse contexto, o amor também já mudou de face.

Houve uma época em que amor tinha gosto de goiabada com queijo. Amor se resumia em música romântica tocando no rádio, em cartas que sussurravam palavras bonitas e na emoção da tão esperada dança de rosto colado. Amor era beijinho doce, abraço apertado, suspiro dobrado e... Não, eu infelizmente não sou dessa época.

O mundo, de tanto girar, fez com que os conceitos se invertessem e os velhos costumes fossem deixados de lado. A geração mais cool do momento derrama seus sentimentos sintéticos e efêmeros em páginas da internet e se aventura em romances rápidos e polêmicos. As declarações dos enamorados são altamente parecidas, o que nos leva a crer que o amor de hoje já não é um sentimento inigualável, imensurável, mágico, encantador. Pelo contrário: é algo comum, sentido por todos exatamente da mesma maneira. Afinal, o que todos querem? Amor eterno, infinito, verdadeiro, forever e outras variações.

Vou mudar um pouco. Chega dessa ideia de amor infinito. Quero amor infinitivo. Sem maiores complicações. Sem muitos complementos. Sem essas declarações públicas de afetos tão pouco duradouros. Sem esse sentimento escancarado, dilatado e sem mistérios. Não. Eu quero o mistério. Quero essa dança lenta em que se desvenda o que se sente, pouco a pouco. Isso é bonito. Não quero um amor do dia pra noite que é eterno durante uma semana. Cansei dos sentimentos de veneta. Quero um amor simplesinho que divida, com linha tênue, o outro de mim.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

EU E OS LIRISMOS

Queria soltar uma nota curta e indignada sobre a última bomba noticiada pelo telejornal. Ou falar sobre o calor insuportável que anda perturbando nosso equilíbrio e suas possíveis causas. Ou fazer uma dissertação sobre a dengue e as constantes epidemias, sobre o mercado de trabalho, sobre a burocracia. Queria conseguir falar aqui sobre a minha visão política, o que penso sobre economia, como driblar a inflação ou como manter um casamento estável. Queria dar dez dicas infalíveis para. Para qualquer coisa que seja de interesse comum. Ou montar um texto inteiramente denotativo, que denote alguma sensatez.

Não. Não dá. Há tanta poesia em mim, que me perco completamente ao ver-me envolvida em análises, teorias, temas banais. Nas ideias práticas, sinto o peso da limitação e me sufoco. Não sei me conter nos significados reais das palavras todas. Sinto uma falta tremenda de inventar. Os fatos se esgotam, ao contrário das emoções. Sempre haverá mais alguma coisa que se sinta e que seja passível de ser transformada em versos.

Eu gosto mesmo é do inesperado. Do invisível. Do sentimento. Prefiro contar as exceções. Falar do inacabado, e tentar acabar. Falar daquilo que é meio tortinho ao invés de insistir em relatar aquilo que é perfeitamente normal e aceitável. Tenho urgência dessa intimidade que se estabelece, naturalmente, quando falo sobre mim. Sobre o que habita em mim. Minhas angústias, meus pesadelos, meus afetos, minhas contradições. Preciso dessa sensibilidade extrema que só é possível quando exploro os sentidos. Preciso me sentir inteiramente viva em cada parágrafo. Preciso ficar perto de mim ao ponto de me ser sem rodeios. Preciso me ver precisa em cada frase. Pra aceitar o que possa existir em mim de mais inaceitável. E achar que é bonito só porque virou poema.

Prefiro falar daquilo que, timidamente, invade o meu coração antes de dormir. Gosto mesmo é do amor, cheio de avessos, todo (in)verso, todo estranho e curiosamente impactante. O amor e tudo o que ele faz com a gente, mesmo se declarando tão imperfeito. Gosto dessas imperfeições. Gosto dessas assimetrias que quebram as regras. Gosto dessa polaridade que distingue tudo e faz com que tudo nos pareça sempre diferente.

É bom ter algum sentimento pra mudar o foco, o ponto de vista, o motivo. É bom ter sempre um motivo bonito e gostoso pra estar aqui: justamente, o amor. Aquele que nos faz percorrer caminhos novos, inexistentes nos mapas conhecidos, e confere à vida um sentido novo, impossível de ser explicado àqueles que não amam loucamente. Aquele que dispara o coração, ocupa espaço nos nossos dias, na nossa casa e nos nossos versos e, mesmo assim, torna tudo mais leve. Aquele que é leve e, ao mesmo tempo, denso, desafiando todas as leis dos intelectuais. Aquele que faz com que a gente se reconheça nos paradoxos e se assuma desconexo, de vez em quando. Nos faz perceber que nem sempre precisamos entender tudo e que nem tudo existe pra ser entendido, mas sim subentendido. Assim, a gente entende que subentender é arte. E que a melhor parte se esconde, invariavelmente, nas entrelinhas.