Ele, um espírito jovem
encapado em um corpo conservado que remetia a não mais do que quarenta e poucos
anos. Algum tempo atrás, recebeu um convite dos antigos colegas de faculdade
para uma confraternização. Aceitou. Ficou feliz por poder reencontrar os amigos
da turma de 73 que, certamente, haviam se transformado em biólogos de sucesso.
Por ter sobrevivido aos
próprios aniversários com uma alegria intacta, com o mesmo corpo magro e com
aqueles cabelos pretos e cacheados, havia se esquecido do tempo que passara.
Ele sequer imaginava o quanto os anos teriam sido capazes de transformar a vida
daqueles que, em 73, foram os maiores personagens da sua história. Chegando lá,
o espanto.
A Betinha, sua
paixonite, já não era digna do apelido no diminutivo. Estava, de fato, alguns
quilos acima do peso. Já não era tão delicada quanto antes. E já tinha netos.
Seu melhor amigo, o Carlos, agora era professor de biologia na maior
universidade do país. O tempo e a genética se encarregaram de trocar seus
admiráveis cabelos compridos por uma calvície natural.
Naquele momento, ele
soube que a única coisa que permaneceu comum entre eles foi a Biologia. Tirando
isso, todo o resto foi deixado de lado pelas próprias circunstâncias da vida,
contra as quais é impossível lutar. A paixão pelo rock, os discos de sucesso da
década de 70, a sede da vida, as farras na república, as noites de festa. O
destino tratou de revirar tudo com plena excelência. Eram todos biólogos, mas
não eram mais amigos.
João Guimarães Rosa
disse, um dia, que “o correr da vida embrulha tudo”. E como um presente muito
bem embrulhado, o futuro nos é entregue sem possibilidade de devolução. Isso
não faz de nós meros expectadores de um destino previamente elaborado, mas nos
deixa susceptíveis às mudanças que os anos trarão.
É importante que se
tenha uma grande certeza: daqui a alguns anos, quase tudo será diferente. Cabe
a nós escolher o que há de mais bonito e sincero e (tentar) manter aceso, nem
que seja apenas dentro de nós.
Por sorte, Carlos
Drummond resolveu dizer que “as coisas findas, muito mais que lindas, essas
ficarão”. Ainda não foi inventada uma maneira de retardar o tempo, retornar ao
passado ou congelar os segundos mais belos. Mas sim: é possível guardar na
vida, no coração e na memória aquilo que compõe a melhor parte de nós.