“Como arroz e feijão
A perfeita combinação
Soma de duas metades
Como feijão e arroz
Que só se encontram depois
De abandonar a embalagem
Mas como entender que os dois
Por serem feijão e arroz
Se encontram só de passagem?”
(da música PRATODODIA, de O Teatro
Mágico)
Houve
uma época em que eu acreditei naquela teoria esquisita que diz que os opostos
se atraem. Mas é claro que essa fase utópica passou. Não me olhe estranho. Sim,
é verdade. Eu já não creio que dois seres que caminham em sentidos contrários
possam, algum dia, dividir a trilha. Já compreendi que água e óleo não se
misturam. Já não vejo vantagem em estar com alguém que é de outra prateleira. Já
não aceito falar dos meus sonhos e ver o outro desviar os olhos. Usando um
vocabulário nada polido, vou sintetizar tudo: mesmo sendo farinha do mesmo saco
já é tão difícil o “lado a lado”, imagine se for feijão com arroz?
Você
acorda, vê um sol bonito iluminando a sacada, te dando bom dia e logo pensa que
tem uma vida inteira lá fora esperando pra ser vivida. Não, hoje não é dia pra
ficar dentro de um apartamento esperando o passar das horas ou assistindo a um jornal
sem graça de fim de tarde. Hoje é dia de ir ao cinema, caminhar pelo parque, se
sentir mais leve, praticar algum esporte, vestir roupas deselegantes e descer
do salto. Hoje é domingo, dia de ser mais feliz.
Mas
a pessoa que vive com você pensa que o domingo só começa depois do meio dia,
que o almoço só precisa sair lá pelas três da tarde e que, em seguida, o melhor
é se desmanchar no sofá pra assistir às finais dos campeonatos de futebol, a um
telejornal e fechar o dia com um reality show na TV.
Vocês
terminam em um almoço sem graça, tímido, calado e informal. Ele, obviamente,
vai comer em frente à televisão. Não perderia por nada os primeiros minutos do
primeiro tempo. Durante a tarde inteira, você tenta ler seus livros de poesia,
mas sente-se incomodada pela voz enjoativa do locutor e pelas interjeições
comemorativas que surgem, espontâneas, quando um gol é marcado. Você fecha a
porta e... Por fim, um pouco de paz.
O
perigo mora exatamente aí. Quando a paz é muito mais provável no momento em que
se está longe. Convenhamos, não é pra isso que o amor foi feito.
Como
não é minha intenção criar estereótipos, bem posso imaginar outra situação.
Você
é super antenada em todas as notícias que dizem respeito à moda, make up e
cores da estação. Sua maior alegria é renovar o guarda-roupa e caminhar no
shopping da cidade, nem que seja por distração. Você tem uma caixa de esmaltes,
é louca por sapatos e não perde, em nenhuma hipótese, a novela das nove.
Mas
a pessoa que vive com você prefere saber tudo sobre os novos escritores,
cineastas, desenhistas e bandas que surgem, todo dia, por aí. Ele ouve músicas
que ninguém conhece e que, por sinal, são um tanto quanto esquisitas. Ele sonha
em conhecer milhões de lugares novos e inexplorados, mas você se contenta com
aqueles velhos pontos turísticos dos cartões postais.
Vocês
terminam por dizer mil coisas um para o outro que, se listadas, não farão o
menor sentido. A conversa deixa de ser um diálogo e se transforma em um par de
monólogos. Como loucos falando sozinhos. Ao perceberem-se loucos, vocês optam
pelo silêncio. É triste demais preferir o silêncio à conversa quando o
interlocutor é aquele que você diz amar. Convenhamos, não é essa a função do
amor.
Você
pode pensar que estou generalizando. Afinal de contas, todo mundo é mesmo um
pouco diferente. Se não fosse assim, não haveria troca, entrega, partilha. Fato
é que também não haverá nenhuma espécie de troca quando os corações batem em
ritmos diferentes. Quando a sua distração é o tédio dele. Quando você busca, no
outro, qualidades que, pra ele, são defeitos. Quando portas fechadas e silêncio
absoluto constituem a melhor maneira de manter a convivência. Isso não é amor,
isso é comodidade.
Sei
que ninguém no mundo se comportará como um espelho do que você é e espera que
os outros sejam. Sei que as assimetrias servem pra que a gente tenha motivos
pra se lapidar. Sei que, mesmo depois de todas as lapidações, o encaixe ainda
não será totalmente perfeito. Mas sei também que amor é uma coisa meio
específica. Não quero estimular ninguém a sair pelo mundo à procura do par
ideal. Sinceramente, nem mesmo acredito que ele exista. Mas eu acredito e
levanto, incansavelmente, a bandeira da afinidade. É preciso ser muito afim
para se manter, ao longo da vida, a fim da companhia de alguém. É preciso se
reconhecer no outro, em algum cantinho íntimo que o resto do mundo nunca viu.
Afinidade
não é dizer as mesmas coisas e pensar exatamente igual com relação a tudo. Isso
é igualdade. Notas iguais não formam acordes. Afinidade é ser a fim. A fim de.
De ficar perto, de se compreender, de se aceitar, de se completar. Pra ter
afinidade, não é preciso ter todas as semelhanças, mas é imprescindível estar
na mesma sintonia. O coração precisa bater no mesmo ritmo. O amor é ritmado,
não tem jeito. É como duas cordas entoando notas diferentes que, juntas, formam
uma harmonia bonita. Acorde é junção de notas e amor é junção de gente. Mas uma
coisa é certa: entre dó e si, tem sempre um punhado de notas que, se tocadas
juntas, não combinam. Na junção dessas notas é melhor não insistir. Não existe
uma regra matemática que defina aqueles que dão as mãos. Mas, pra resumir tudo
o que eu queria dizer aqui hoje, vou usar as palavras mais simples: pra ser
bonito, tem que estar afinado.