Clarice
Lispector
Tenho me sentido leve.
As amarras, os velhos amores desastrados e as tantas exigências que eu impunha
a mim mesma parecem ter voado em um balão de hélio sem destino e sem volta. O
que eu sinto agora paira no ar. Quantos sentimentos, pressentimentos e
ressentimentos já não moram em mim! Ainda quero me livrar de alguns pesares e
de alguns pudores. E espero passar longe das palavras difíceis demais.
Eu, que sempre me
considerei tão densa, tenho me achado diluída, dilatada. E, nesse momento, até
me permito ser um pouco frágil, mimada e dengosa. Deixei na gaveta alguns
pré-requisitos e pretensões. Mas pendurei na estante meus desejos mais sutis. O
calendário inteiro passou a me seduzir. Quero o amanhã. Mas eu o quero sem a
pressa desmedida de antes. Os dias me chamam. E eu simplesmente vou.