sábado, 27 de dezembro de 2008

CHUTANDO O BALDE


Outro dia ouvi a seguinte frase: “Chuta o balde e manda embora o seu bofe!” Essa frase é extremamente moderna. E não pensem que discordo disso. Não pensem que na minha romântica cabecinha as pessoas têm que viver juntas a vida toda. E juntas com uma mesma pessoa.

Fiquei pensando que motivos teria uma mulher ou mesmo um homem independente pra não dar um basta em uma situação que não lhe faça feliz. Mas eu entendi os motivos. E entendi muito bem. A contemporaneidade chegou pra mandar direto pro lixo todos os velhos conceitos que hoje permanecem vivos apenas em antigas e tradicionais famílias, geralmente do interior. Mas apesar disso tudo, chutar um balde não é tão fácil quanto parece. E não é pela mesma desculpa que todos os atrasados e desencorajados empregam: os filhos, a dependência financeira, a falta de dinheiro, as complicações de uma separação... Não! Não é SÓ isso. A dependência é muito mais emocional que financeira, ainda mais no mundo individualista em que vivemos, fica claro que uma separação não te assegura encontrar outro companheiro. O medo da solidão chega, às vezes, a ser mais forte do que todos os conceitos inovadores e libertadores que essa época nova nos trás. O medo da solidão chega, às vezes, a ser mais forte do que a certeza de um amor que acabou, de um inferno que existe e insiste em determinar que um relacionamento, definitivamente, não tem mais saída.

Mas ainda assim, alguns permanecem juntos. Mesmo que hoje em dia uma simples palavra torta seja motivo pra se jogar tudo pro alto, voltar pra casa da mãe, pedir o divórcio e partir pra outra porque, como dizem, a fila anda. Sim, é verdade, eu já ia me esquecendo da fila, uma das idéias contemporâneas que julgo ridículas. Ninguém está na fila de ninguém. É como se todos nós fossemos simples objetos a serem adquiridos ou possuídos apenas momentaneamente. E eu me recuso a aceitar que é assim que somos: descartáveis. Porque se você é, eu não sou.

Pois bem. Imaginemos tudo ao pé da letra pra entender o quanto é difícil chutar o balde. Imagine o balde. Imaginou? Agora imagine uma água suja dentro dele. É assim que, possivelmente, está a sua relação. Suja, desgastada, nojenta, podre. Pronta pra ser jogada fora, mas você tem pena. Não é pena de si mesma. Não é pena do outro. É pena da água suja que foi colocada ali com tanto zelo, que de repente, durou tantos anos. E era tão limpa e agora você olha com tristeza para o que sobrou e guarda. Guarda como se achasse que aquela água pudesse, algum dia, voltar a ser limpa. Você não entende que aquela água já era. Que você pode até, junto com a mesma pessoa, tornar a encher o balde. Mas que vai ter que ser outra água. Você não percebe isso, se prende. E por mais desprezível que aquela água pareça, você ainda guarda. Ainda que você mesma já sinta imenso nojo, você não chuta o balde.

Tudo bem. Já entendi o porquê. É muito mais difícil chutar o balde quando você é o balde e parte do que há nele. Achou estranho? Mas é simples. Você, que já viveu um amor desgastado, sabe muito bem que há momentos em que a única que ainda zela pela água suja é você. A única que impede que ela entorne. A única que continua mantendo-a ali. Todo mundo sabe que aquela água é suja. Você também sabe e também morre de nojo, mas ainda a sustenta e mantêm presa. Então você é o balde. Ficou claro? Você sabe que, quando o esperado chute do balde realmente acontecer e a água entornar e cair, você cairá junto, não tem jeito. A água vai continuar correndo e tomar seu rumo, mas você vai ficar ali, no chão, sozinha. Vai virar balde vazio que, sabe-se lá quando estará cheio de novo, afinal, encher aquele balde e purificar sua água foi tão difícil e ainda não durou pra sempre, porque logo a água se sujou. É isso, não é? Pode dizer, confesse. E você passa a se sentir parte da água suja. Aliás, você é. Tanto você dedicou àquela água, tanto você a amou... Tanto de você foi só em prol da água que você pensa que não há suficiente de você em você pra você seguir sozinha. Você é mais pelo outro do que por si mesma. Mas saiba que a gente se regenera. No início a gente é tão pouco sem o outro. Ele roubou tanto de nós, levou quase tudo e só deixou tristeza, amargura e solidão. A geladeira é sua, o freezer é meu. O computador é seu, a televisão é minha. Por mais que tudo tenha sido partido tão justamente, você sente falta de um monte de coisas. Sente falta da sua parte que ele levou. Que ele sugou de você como se fosse um vampiro... Mas cada célula nossa se multiplica, se fortalece e se renova o tempo todo. E logo você terá orgulho de quem é. E só assim alguém terá orgulho de você, orgulho de te amar.

Aí você poderá encher outro balde. Só que dessa vez, eu te aconselho a não deixar de ser você e ter a sua vida pra ser apenas balde de alguém ou da união entre você e alguém. Você e o outro têm que carregar lado a lado. Quanto mais pesado ele estiver, melhor. Mais coisas vocês construíram juntos e mais coisas têm pra dividir. Isso se chama companheirismo. E eu espero que, em 2009, o seu balde se encha de coisas boas e que você saiba filtrar a sua água da melhor forma possível. E que, independente de você carregar o balde sozinha ou dividir o peso com alguém, que você seja feliz e que se orgulhe de você, do seu balde e da sua água. Que ela seja pura, límpida, clara e, SE POSSÍVEL, eterna.