É
tão estranha a sensação da última vez. É tão silencioso o pranto contido e
calado que nos desperta a ideia do “nunca mais”. A gente sente uma dor de parto
que balança ossos e arrebenta corações. É quase como partir de si, já que
aquilo que fica é tão seu, tão você. É como ir embora de algo que te pertence,
entende? Que te contém e que está contido, sem mais.
Até
os atos mais simples e pouco significativos do dia-a-dia ganham uma dimensão
enorme quando se trata das vésperas do adeus. Porque despedir-se do que quer
que seja é como rasgar. Raspar. É como arrancar sem anestesia. Não há
anestésico para a dor do fim.
Foi
assim, com o coração despedaçado, que eu me despedi da cidade onde nasci,
cresci, dei os primeiros passos. Eram quase seis da manhã, mas o sol ainda não
tinha aparecido por conta do horário de verão. A cidade adormecia e não sentia minha falta, embora dentro de
mim houvesse uma estranha saudade pressentida. Foi melhor assim. Sei que ver aquele
lugar acordado não me faria bem. Olhei fixamente para cada cômodo da
minha casa. De alguma forma, tive a certeza de que jamais moraria ali de novo.
Assim que deixei minha rua, vi pela última vez as luzes de Betim. Foi
estranho. Logo eu, que sempre achei que aquelas luzes me ofereciam tão pouco,
tive a impressão de que sempre tive tudo. Deve ser efeito da dor do adeus.
Chorei
de modo ininterrupto nos primeiros vinte ou trinta quilômetros. E depois
entendi que a vida é mesmo assim, cheia de últimas e primeiras vezes que nos
marcam profundamente. Cheia de caminhos e rastros e tropeços. Cheia de começos
e recomeços, de inícios e fins.
No
alto dos cem quilômetros rodados, a minha tristeza tímida deu lugar a uma
esperança insegura. Hoje é segunda-feira, dia em que costumam acontecer os
grandes inícios. Dia de começar uma dieta, voltar ao trabalho, pisar com o pé
direito. E eu também me sinto começando ou, quem sabe, recomeçando. O fim foi
doloroso, é verdade. Mas o amanhã duvidoso e incerto até que faz bem. Nem
sempre saber onde se pisa garante a tal felicidade. Saber que o futuro não está
revelado e nem é muito previsível traz uma curiosidade indiscreta, uma
ansiedade eufórica, uma vontade quase incontrolável de saber o fim. Mas aí vem
a recordação: já passei por isso antes. E sei que o fim dos caminhos é só uma
encruzilhada. Sempre haverá a próxima trilha. Porque viver é colocar na memória
o que nos aconteceu. É passar algo do imaginário para a rotina, com uma dose do
inesperado. E a vida... É só mais um recomeço.