E foi assim. Esse meu olhar, sem dignidade
alguma, ousou te seduzir. E meu corpo saiu tropeçando no seu, quase sem querer.
No fundo, de propósito. Gostava de você e de todas as suas segundas intenções
não disfarçadas. Eu também não exigia disfarces. E a cada dia, te queria
“apenas por hoje”. Um querer quase promíscuo. Só para ouvir mais uma de suas
músicas, como mera espectadora atenta até demais. E seus dedos de homem tocando
as cordas do violão e, de repente, tocando meu rosto. E meu coração. Eu te
precisava mais a cada dia, insistindo em acreditar que era apenas pelas
músicas. Quase como em “mil e uma noites”, eu te prolongava em mim por mais 24
horas a cada vez que via suas mãos tocarem as cordas e, em seguida, me tocarem.
E parecia sempre ser a primeira vez. E antes que eu pudesse perceber ou evitar
ou escapar ou impedir, já era amor. Seu violão afinado entoava a melodia que eu
precisava pra sobreviver. Seu cheiro me perseguia o dia todo, como se estivesse
impregnado em meus pulmões. E eu parecia quase moldada a você em corpo, alma e
coração. Meu rosto exigindo suas mãos. Meu corpo mal acostumado em tropeçar no
seu. E eu inteiramente rendida sem cogitar resistir, tentando nomear aquilo
tudo que sentia sem desconfiar de que era amor. E de que não era só por fora. Sem
promessas, destino ou futuro traçado eu te queria. Sem precisar de um amanhã
garantido. Nossa canção sequer precisava de refrão para estar na ponta da nossa
língua. Você ali, enroscado em cada curva dos meus versos, sem que eu sequer
suspeitasse. Seus detalhes em cada entranha e entrelinha. O amanhã me atraindo
por ser tão incerto e impreciso. E o amor ali, tão certo e tão preciso, talvez
justamente por nunca me garantir nada. E você. E eu. E as mil e uma canções que
eu não podia deixar de ouvir. Só pra me certificar de que não teria fim. E meu
coração disparado, descompassado e sem fôlego. Só pra me certificar de que era
amor.
Enquanto houvesse música...