Era uma quarta-feira asfixiante de março.
Eu entrei na sala 10 do prédio azul e a nossa história volátil começou a ser
narrada dentro de mim. Em cinco segundos captei tudo. Uma sala grande com
cadeiras novas, quadro branco, dois ventiladores de teto, vinte e cinco alunos e um
deles era você. Você e seus
olhos puxados (pela primeira vez na vida eu amava olhos puxados), sua pele no tom ideal. Você, sem nenhuma razão, me pareceu diferente dos outros. Sempre
conferi ao diferente um significado quase onírico. E, talvez por isso, gostei
de você antes de tudo. Sempre fui assim. Esse meu sexto sentido sempre me diz
previamente de quem gostar.
Era um típico “primeiro dia de aula”, e nós obviamente levaríamos uma hora
nos apresentando uns aos outros. Ficou definido que falaríamos nossos nomes, gostos e ideais. Seu nome simples de duas sílabas e cinco
letras com acento agudo na última vogal me pareceu absolutamente sonoro. Sua
voz quase doce e quase imponente, tangendo o ideal, cambaleando entre o que se
espera de um homem e o que se espera do amor. Seu ideal
era ser feliz. Tão simples e tão aceitável. Eu ali, prolixa,
tentando encontrar em algum canto perdido um ideal que fosse suficientemente
denso e você sorrindo como se fosse possível ser feliz ali mesmo. Eu me rendi.
A certeza de que você podia significar
algo bom pra mim veio quando
percebi que você me olhava de um jeito absurdamente indiscreto como se quisesse
um pouco mais de mim a cada segundo. Mas tudo isso talvez não passasse de
ficção. Eu te olhava do alto da minha pilha de ilusões. Na sexta, eu me sentei ao seu lado porque gostava de você desde a última quarta-feira.
Eu escrevi no seu livro porque tinha a letra mais bonita. Eu te dei um sorriso
quase tímido, como se compactuássemos um segredo, como se conversássemos sem
palavras.
Na semana seguinte, a sala 10 me pareceu
muito mais fria e desconfortável. E na próxima, e na próxima... Você tinha sido
transferido de turma e eu não sabia mais onde te encontrar. O prédio azul era
enorme e você podia estar em qualquer lugar. E a vontade dilacerante de te ver
me asfixiou muito mais do que o calor daquela quarta-feira em que eu descobri
que ser feliz podia ser muito mais simples do que eu supunha.
Dali em diante, só te vi de relance.
Descendo as escadas enquanto eu subia.
No ponto de ônibus do outro lado da avenida. Na saída do restaurante
enquanto eu entrava. Mas quer saber? É melhor assim. Você ficou em mim como
alguém que podia ser mais. Alguém que ouvia e lia e assistia tudo o que eu
ouvia e lia e assistia. Alguém que tinha os traços que eu gostava. Que tinha a
voz que eu queria ouvir. Que me olhava indiscretamente sem fazer ou dizer mais
nada. Alguém com quem eu almoçaria qualquer dia, nem que fosse só pra falar de
todas aquelas coisas de que nós gostávamos e que nos tornavam diferentes dos
outros de um modo tão sutil. Alguém de quem eu posso falar sem medo. Você não
vai ler este texto, e é justamente por isso que falo de amor enquanto falo de
você como se fosse possível te amar sem saber nada a seu respeito além do que
já foi dito e como se ser feliz fosse realmente tão simples assim.