Quando meus avós se
conheceram, em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais que se chama
Matutina e hoje tem menos de 4.000 habitantes (imagine na época dos meus
avós!), as segundas intenções eram declaradas de uma maneira muito mais bonita.
Você pode até acreditar que hoje em dia tudo acontece mais rapidamente e que
segundas, terceiras e décimas intenções são explicitadas com menos pudor. Mas
quer saber? Os homens da minha geração não são corajosos como na época do meu
avô. Até concordo que as mulheres, no quesito “coragem para se declarar”,
avançaram bastante. Enquanto minha avó apenas trocava olhares, as mulheres da
minha geração vão à caça, quase que literalmente. Será muito precipitado dizer
que o homem se transformou na presa da relação?
Minha mãe me conta que
Matutina tinha apenas uma rua principal onde tudo acontecia. É claro que a
palavra “tudo”, naquela época, representava bem menos do que nossa imaginação
fértil e precocemente exposta a conteúdos eróticos é capaz de nos fazer pensar.
E era nessa rua que os jovens da cidade, homens e mulheres, caminhavam de um
lado para o outro até, no máximo, dez da noite. Se o rapaz gostasse da moça, eles
tinham que se cruzar umas duas ou três vezes para que na quarta fosse
estabelecido um primeiro contato verbal. Daí em diante, ficava em ambas as
partes aquela ansiedade prolongada pelo próximo fim de semana de flerte.
Já na época dos meus
pais, se um cara gostasse da menina, pediria o telefone. Mas é importante
ressaltar: naquela época, pedia-se o telefone para ouvir a voz. Pedir o
telefone tinha aquele gosto de expectativa para o dia seguinte. E o dia
seguinte tinha gosto de espera. E o toque do telefone tinha gosto de ansiedade.
E toda aquela magia que eu, mera mortal do século XXI e participante dessa
bendita (bendita?) sociedade pós-moderna, pouco conhecerei.
Quase cinquenta anos
depois do encontro entre meu avô e minha avó e uns vinte e poucos anos depois
do encontro entre meus pais, muita coisa mudou. Mulheres também tomam
iniciativa quando gostam de um cara, o que é ótimo. Os homens (e também as
mulheres) continuam perguntando o nome, mas já não sei o quanto essa informação
é relevante quando se trata apenas de uma “pegada casual”. Os homens continuam
pedindo o número do telefone, mas o que sobra para o dia seguinte não passa de
um torpedo no celular ou uma mensagem no facebook. O toque prolongado de
ligação está praticamente morto: foi substituído pelo toque curto e seco dos
torpedos. Não adianta a TIM estabelecer o simbólico valor de R$0,25 para
ligações de TIM para TIM. Mesmo a operadora sendo a mesma, ele (quase) sempre
vai preferir te convencer em uns 200 caracteres frios e impessoais. E é nesse
ponto que eu quero tocar.
Em uma roda de amigas,
deixo claro que a última coisa que eu quero é um namorado que me dê bom dia,
boa tarde e boa noite por mensagem de texto. Todas se chocam. Uma das minhas
amigas tenta me explicar que o objetivo da mensagem de texto é te deixar o dia
todo em contato com o ser amado. E que é lindo quando o cara manda uma mensagem
só pra dizer que está pensando em você. Posso ser sincera? A ideia de estar o
dia todo em contato com o ser amado me causa enjoo independente de quem seja
esse ser. E prefiro infinitamente ouvir uma voz máscula me dizendo que está
pensando em mim e que ligou só por isso a ter aquela sensação de obrigação de
apertar o botão “responder” e digitar o óbvio. Mensagens de texto dizem nada
mais nada menos do que o óbvio, como “estou com saudades”, “estou pensando em
você”, “te amo” ou “não vejo a hora de te encontrar”. Se fosse imprevisível,
seria uma ligação. A voz do outro (ainda que dizendo esses mesmos clichês)
assume uma imprevisibilidade deliciosa, talvez simplesmente porque tira nossa
possibilidade de controlar o diálogo pensando mil vezes antes de digitar a
resposta. Falar ao telefone é comprometer-se a responder sem pensar demais, é
ouvir o que não foi previamente planejado, é correr o risco de não saber o que
dizer, é escutar a respiração, é suportar os espaços vazios da conversa que
precedem as respostas. Falar ao telefone é até mesmo estar em silêncio, sabendo
apenas que o outro está do lado de lá. Falar ao telefone é entregar-se e
apreender o outro por alguns minutos. Nenhuma mensagem de texto jamais cumprirá
esse papel.
Diferente da época dos
meus avós e dos meus pais, nos dias de hoje quase nada é combinado frente a
frente, ao vivo e a cores, pessoalmente, olhos nos olhos. As conversas que
precedem o encontro são mediadas pelo monitor, que inevitavelmente confere ao relacionamento
incipiente um certo descompromisso. A impossibilidade de mergulhar na tela e
abraçar nos priva de uma das formas mais antigas e mais sinceras de afeto. A consciência de que tudo pode terminar a
qualquer momento através unicamente de uma palavra escrita causa insegurança. A
ausência da entonação pode fazer com que uma frase assuma dimensões jamais
pensadas. A mediação da tela parece nos encorajar a dizer e fazer o que jamais
diríamos ou faríamos pessoalmente. A eliminação de filtros como “boa educação”
e “consideração com o próximo” faz com que nos sintamos capazes de ignorar ou
mesmo soltar verdades doloridas demais sem qualquer eufemismo. Online, nunca
temos tanto a perder.
Como se não bastasse, a
mediação da tela traz para o mundo não virtual um estranho desconforto, como se
a realidade já não fosse nossa casa. As paixões têm começado cada vez mais
diante do monitor e, ao sermos expostos ao contato físico, recuamos. Desviamos
o olhar. Fingimos não ver como se tivéssemos treze anos. O que está acontecendo
com a gente?
É preciso muita coragem
pra romper as barreiras que o mundo virtual constrói e, no lugar delas,
construir uma ponte fisicamente transitável. É difícil substituir a troca de
dados, de torpedos e de caracteres pela troca de olhares. Mas eu insisto em
querer que os olhares se cruzem e que o celular toque prolongadamente.