céu de Cabo Frio na virada de 2008-2009 (foto: Silvana Prata)
Colecionei durante a infância doces
recordações do Natal. Eu tinha pouco mais de seis anos e era feliz por motivos
muito pequenos e absolutamente singelos. Era feliz porque meus avós, que na
época ainda estavam fisicamente presentes, se deliciavam com a mesa farta
preparada por minha mãe. Era feliz porque meus tios, que na época ainda eram
casados, beijavam seus maridos e esposas, o que me levava a acreditar que
tínhamos uma família tão grande e mais bonita do que aquelas dos filmes. Era
feliz porque brincava e brigava com minha prima mais nova dentro do quarto. Era
feliz porque meus pais me abraçavam o tempo inteiro e festejavam por estarmos
todos juntos. E, como qualquer criança de seis anos, era feliz porque a árvore de
Natal montada na sala estava cercada de embrulhos coloridos e porque a mesa na
varanda contava com várias opções de sobremesa.
Hoje em dia quase todas essas lembranças
são apenas docilidades de um passado que ficou arquivado no meu coração dentre
as coisas mais lindas da vida. Meus avós são recordação terna e eterna. Meus
tios e tias com seus maridos e esposas formam, dentro de mim, a imagem borrada de
uma época em que eu ainda conseguia chamar de tio e tia as pessoas que se
casavam com os irmãos dos meus pais. E fazia isso com toda a pureza de quem tem
seis anos de idade e gosta das pessoas sem pé atrás. Minha prima é uma saudade
impregnada no peito e uma vontade quase desesperadora de ter por perto alguém
que tem quase a minha idade e um sorriso muito parecido com o meu. Presentes e
doces ainda me atraem muito, mas diante deles me comporto hoje com mais
serenidade.
Apesar de tudo isso ter ficado apenas na
memória, esses detalhes ternos construíram em mim, ao longo dos sete primeiros
anos da minha vida (época em que meus avós ainda me traziam presentes no dia
24), uma imagem mágica do Natal. Falar dessa data me traz algumas das melhores
recordações que existem dentro de mim. Miniaturas de Papai Noel cantavam e
dançavam pela casa. Nosso aparelho de som tocava clássicos como “Então é
Natal”. Nosso jardim era iluminado por pequenas lâmpadas coloridas que me
faziam sonhar com o dia em que o ano inteiro seria Natal.
Por outro lado, o dia 31 sempre foi um
tapa na minha cara. Apesar da beleza dos fogos desenhados no céu, a virada do
ano carregava uma angústia, um desespero, um incômodo. Ver a alegria de multidões
pela TV só servia para esfregar na minha cara que a felicidade só era possível
daquele jeito.
No ano de 2008 tentei fazer diferente.
Fui à praia, pulei as sete ondas, me vesti de branco. Tudo conforme diz a lei.
E fiquei ali, aguardando aquela explosão colorida no céu e dentro de mim. O céu
festejava, mas por dentro eu permanecia com a mesma angústia contida e cada vez
mais amarga de quem não aprendeu a festejar.
É importante esclarecer que eu não sou
um ser humano naturalmente amargo e que festejo bem em determinadas situações.
Fico por isso confusa, tentando compreender o que falta no ano novo para que eu
consiga comemorá-lo ou o que falta em mim para conseguir enxergar tamanha
beleza e renovação na união dos ponteiros em cima do número 12 no último dia do
ano.
A divisão do tempo é genial, preciso
concordar. O espaço de um ano, esse agrupamento de 365 dias (exceto em anos
bissextos, só pra recordar), sua divisão em exatos 12 meses com aproximadamente
30 dias e por fim as semanas com cinco dias de labuta e dois de repouso. É
também genial a divisão dos dias em 24 horas, ainda que esse número nos esteja
parecendo insuficiente diante da rotina apressada e dos compromissos inadiáveis
que surgem a todo instante na agenda. E são geniais até mesmo as horas, divididas
em singelos minutos e segundos que nos fazem perceber a grandeza que podem
carregar umas poucas frações de segundos em detrimento de tantas horas que
significam tão pouco.
Mesmo reconhecendo a genialidade da
organização dos dias em anos, nunca fui capaz de vibrar com o momento da virada
e essa minha incapacidade me perturbava. É que todo esse clima de contagem
regressiva me soa como uma obrigação, entende? Parece que o mundo me obriga a
contar os segundos junto com a multidão desesperada. Parece que o mundo me
obriga a suportar o sono até a meia noite. E me obriga também a desejar que os
próximos dias sejam totalmente diferentes dos 365 anteriores, por mais que eles
tenham sido lindos. E me obriga a fazer um milhão de planos, dos quais eu
certamente só cumprirei metade. Mesmo consciente disso, a data me força a
planejar. E me joga na cara, como que em um tapa de luva, que por alguma razão
há gente mais feliz do que eu.
Hoje é dia primeiro de janeiro, data em
que supostamente estamos mais predispostos a reflexões. O balanço de 2012 não
podia ser melhor, principalmente porque realizei vários dos meus maiores sonhos
e estive com o coração um pouco mais em paz do que em anos anteriores, quando
copos d’água eram tempestades. Esse sepultamento de 2012 me deixa com um luto
inevitável, preciso confessar. Mas, sendo bem realista, 2013 tem me dado muitos
indícios de que há felicidade à vista. E tudo isso me leva a questionar se
existe realmente tanta gente mais feliz do que eu.
Talvez aquela felicidade da virada que a
gente vê na TV signifique, de fato, muito pouco. Em 2008, ano em que eu pulei
as sete ondas e me vesti de branco, foram incontáveis as pedrinhas no caminho
que me fizeram tropeçar e esfolar o joelho. Em 2012, colecionando feridas
plenamente cicatrizadas e carregando um leve sorriso no rosto de quem já
aprendeu a ser feliz tranquilamente, eu cheguei muito mais perto da pessoa que
quero ser. Adoeci pouco. Até me aborreci algumas vezes, mas fui incrivelmente
capaz de ver nos tropeços possibilidades de me tornar mais forte. Minha
gastrite nervosa parece ter tirado férias permanentes. Tive duas ou três crises
de choro bem controladas. Não me lembro de ter brigado feio com ninguém
(incrível, não é?) e amei mais gente do que de costume.
Pensando por esse lado, talvez eu seja
hoje mais feliz do que muitos daqueles que se embebedaram na areia de
Copacabana. Pensando por esse lado, talvez a felicidade de verdade seja muito
mais contida do que explosiva. Talvez a explosão colorida que por anos eu quis
ver dentro de mim seja só um flash de quem amanhã possivelmente já nem saiba
como suportar a vida que (feliz ou infelizmente) continua.
E fica aqui uma decisão: na virada de
2013 para 2014, nada de cobranças. Vou dormir mais cedo se estiver com sono,
vou assistir a um filme ao invés do show da virada, vou passar comendo
besteiras da geladeira no lugar do tradicional churrasco. O dia 31 é sempre um
trampolim. O dia primeiro de janeiro é mais um dentre os outros 364 vindouros. Mais
importante do que festejar a união de ponteiros em cima do número 12 é carregar
no rosto um sorriso sossegado e uma poesia debaixo do braço, só pra começar o
ano com letra maiúscula.