terça-feira, 18 de maio de 2010

SOBRE A DONA DAS PERNAS CURTAS


Honesto e limpo seria o mundo se nós disséssemos sempre a verdade. Se fôssemos sempre sinceros a respeito de nossos próprios amores, crenças, medos, tentações. Se a verdade fosse vista nos olhos nos olhos e nos olhos. Se as paixões fossem sempre sinceras e os olhares, sem exceção, fossem verdadeiros. Mas é inegável que, de vez em quando, inventamos amores, reescrevemos os contos, acrescentamos meros detalhes, poetizamos as velhas poesias, passamos nossos rascunhos a limpo, rebuscamos os fatos. É própria do homem essa mania de interpretar.

Contamos mentiras sinceras pra nos distrair. Distorcemos as coisas miúdas pra não ferir. Pra colorir o mundo. Pra criar finais felizes. Pra passar o tempo. Pra narrar desfechos surpreendentes. Pra impressionar. Pra florear as histórias. Pra intensificar a paixão. Pra mistificar a crença. Pra suavizar a prosa. Pra disfarçar a solidão. Pra nos parecer com os melhores personagens. Pra viver caso de novela. Pra tentar ser emocionante. Pra convencer os outros. Pra nos auto-afirmar. Pra iludir. Pra ludibriar. Pra reformar o feio. Pra conservar o belo. Pra rimar os versos. Pra se apaixonar. Pra se aproximar. Pra ignorar o impossível. Pra voar um pouco mais alto. Pra tocar o inatingível. Pra viver o sonho. Pra cicatrizar as feridas. Pra ficar bonito. Pra trazer alguém pra perto. Pra não perder esse alguém. Pra fingir que é amor. Pra ser mais sutil. Pra não falar palavrão. Pra não descer do salto. Pra não perder o controle. Pra não chorar. Pra não sair de cena. Pra ser legal. Pra continuar na pose. Pra não revelar o segredo. Pra fazer vista grossa. Pra sair da rotina. Pra não parecer bobo. Pra entrar na dança. Pra chegar no clima. Pra alcançar o inalcançável. Pra ser um pouco mais feliz.

Idealizamos um outro cenário para o nosso filme, mudamos de lugar os objetos aparentemente indiferentes ao produto final, acreditamos na encenação dos atores (inclusive na nossa própria encenação), reorganizamos as falas, alteramos o script. É isso: nossa vida é um filme gravado ao vivo e sem ensaios.

A verdade é que a mentira pode ser incrivelmente linda, assim como as fantasias que, vez ou outra, nos permitimos vestir. Tudo bem. Ser você mesmo a vida toda não é fácil, eu bem sei. A realidade inventada pode nos fazer momentaneamente felizes. O imaginário pode nos fazer criativos. Mas o mergulho no abstrato também pode nos fazer perdidamente loucos. Fora da realidade e sem tato. Não aceito me acostumar com o não palpável, por isso escolho a verdade. Aquela que me torna lúcida e sóbria. Vez ou outra me perco no que não existe. Mas, mesmo com a cabeça nas nuvens, insisto em manter os pés no chão e acreditar nessa utópica transparência que ilumina. A verdade eterniza.