No caminho da faculdade para o
apartamento, passo por um trecho em uma rodovia de onde avisto vários aviões no
céu. Uns mais próximos, outros tão distantes. Admiro aquelas asas robustas e
imponentes, aquelas formas perfeitamente aéreas e equilibradas. De longe, não
passam de pássaros que não sabem bater asas. Mas, ainda assim, eu os admiro.
Aqueles ruídos. Aquele corte no céu.
Aquela brincadeira deliciosa de esconde-esconde por entre as nuvens. Aquela
fumaça deixada como rastro. Aquela janelinha através da qual cada passageiro sente
que possui um pouco do mundo por alguns instantes. Aquela velocidade que eu
suponho ser imperceptível para quem está lá no alto. Aquele friozinho na
barriga que eu só imagino.
É uma fascinação estranha, eu admito. Nunca estive dentro de um avião, mas
coleciono, em pensamento, as vidas que passam por ali. Imagino os destinos e
pontos de partida. Invento motivos para as viagens. Passo a me envolver com os
passageiros e com seus idiomas complicados, suas bagagens prontas, suas vidas
delicadas, seus amores quase impossíveis e suas profissões de coração. E narro,
dentro de mim, as dores da partida, o gosto da saudade, o abraço de reencontro.
E narro, dentro de mim, passo a passo sobre o que se sente ao voar. Porque meu
coração, de alguma forma, bate asas o tempo todo.