Há pouco mais de um ano e meio, eu
viajava quase 600km chorando baixinho no banco de trás. Pra mim, naquele
momento, ir pra São Paulo era ir para o mundo. E mesmo ir pra Campinas, cidade
que nem é assim tão grande, era como trocar a simplicidade da minha vida pacata
por um desafio que me vestiria com as cores da coragem, ainda que por dentro eu
fosse frágil. Eu me despedia do estado de montanhas tão altas quanto as que eu
ousei transpor quando mudei toda a minha vida por um sonho. Eu dizia adeus à
cidade em que nasci, com seus pouco mais de 400.000 habitantes e com sua gente
vivendo tão despretensiosamente. Aquela despretensão que por anos me deu a
nítida sensação de ser estrangeira dentro da própria terra. Eu tinha pretensões
demais pra caber ali.
Naquele momento da partida, minha
coragem murchou. Mas era tarde. Era tarde e eu, no fundo, nem cogitava voltar
atrás. Porque minha felicidade esteve sempre um pouco mais a frente, e essa
perseguição do que está adiante talvez seja o que me faz seguir na estrada de
pedras muitas vezes sem perceber que tenho os pés feridos. Eu saía de Betim com
a certeza de que jamais moraria ali de novo. Por incrível que pareça, não era
uma certeza arrogante. Era uma certeza doída e insegura, de alguém que por
alguns momentos gostaria de ter sonhos miúdos, só pra conseguir caber ali e não
sofrer. Mas o amanhã me convidava para algo que estava além daquela rua,
daquele bairro, daquela cidade. Talvez fosse só a minha mania de amar o que
está distante física e temporalmente. Talvez fosse só a minha insistência em
colecionar rupturas. Talvez fosse só esse meu hábito tolo de picotar o tempo em
fases e acreditar que de algum modo estou chegando mais perto, fingindo não perceber
que o ponto mais alto está sempre se escondendo de mim. Talvez fosse só minha
teimosia de transferir o sorriso aberto para o porvir, confiante de que o
amanhã é sempre mais bonito. Talvez fosse só minha saudade do futuro desejando
algo que ainda não foi e que, justamente por isso, só se traduz no lirismo.
Mas é também profundamente lírica a dor.
E é por isso que nunca me privo do direito nobre e honesto de chorar. No fim, aqueles
600km de choro contido no banco de trás me fizeram entender que dali em diante
eu perderia um pouco da noção de que algum lugar me cabe ou pode um dia caber. Dali
em diante eu me renderia ao lema das grandes cidades, onde cada um é só mais um
átomo desordenado e apressado. Dali em diante, o sorriso largo não só moraria
permanentemente no amanhã, como também viveria na próxima esquina. Campinas não
é minha casa, mas Betim também já não é. Essa sensação de não pertencer me faz tão
estrangeira quanto antes, e de certo modo turista. Nômade no mundo. Sonhando
sempre com uma rota mais distante e mais difícil de percorrer. Querendo sempre
morar num canto para além do horizonte que minha vista consegue alcançar.
Esperando sempre de mim uma coragem tamanha para olhar pra trás - ainda que com
os olhos úmidos – e partir. É que nesses olhos úmidos navegam barcos carregados
de desejos sem colete salva-vidas. Tenho essa preferência quase masoquista pelo
afogamento, porque nunca gostei de estar na superfície. Dentro desse barco, à
frente dessa tripulação de medos contidos, estou eu. Talvez um pouco confusa
com as rotas, confesso. Mas definitivamente não estou à deriva.