Você
falava sem me olhar nos olhos. Eu queria segurar seu rosto bem diante do meu e
te obrigar a me ver. Eu queria esfregar na sua cara o quanto você era mimado.
Eu queria te dizer que as chaves do seu carro em cima da mesa não me
impressionam. Eu queria te dizer que não sou o tipo de mulher para a qual se
abre a porta e se paga a conta do restaurante. Eu queria engolir seu olhar
arrogante com meus olhos firmes. Eu queria te dizer que nunca na vida sonhei
com um homem impecável. Mas ali, enquanto eu te olhava e sentia raiva da sua
alma reacionária, da sua camisa de marca e da sua barba bem feita, sem perceber
eu te amei. E foi assim, quando finalmente tomei coragem pra segurar seu rosto
diante do meu, que ousei fazer poesia com seus números e te beijei com todo o
ímpeto do meu orgulho. Assim, de coração rasgado, eu disse que te amava e te
odiava simultaneamente. Violentamente. Com toda a convicção da minha ideologia barata
e dos meus sonhos moídos eu deitei nos seus braços fortes. Minha mão esquerda pousou
no seu ombro direito e eu, sem querer, me senti protegida. E me deixei encolher
no seu colo sem sequer me lembrar de que não era proteção o que eu queria.