terça-feira, 24 de abril de 2012

QUANDO A POESIA COMEÇA A RIMAR



Amar deixa saudade.

Porque é assim. Tão simples, e ao mesmo tempo profundamente desesperador. O coração disparado, descompassado e totalmente irracional. O coração batendo no peito, na mão, na boca e no corpo todo. O sangue pulsando, pressionando, esmagando as veias e artérias e o corpo todo. E os minutos curiosamente desfigurados: tão longos na ausência e tão curtos na presença. E o tempo ameaçando parar. E o resto do mundo tão pouco importante. Danem-se as recomendações de cautela e calma e um passo de cada vez. Danem-se todos os passos do manual de sobrevivência. Viver basta.

É assim. A razão em outro continente sem dar notícias. E a emoção tão maior que nós. E os nós frouxos, quase desatados. E as mãos unidas, preenchendo lacunas e examinando destinos. O tato, o olfato e todos os outros sentidos. Os olhos, os olhares e todos os outros desafios. Os braços, os abraços e o espaço nulo entre os corpos. E os tantos jeitos de dizer uma palavra só. E toda a pressa pelo próximo segundo ou fração de segundo que está por vir. E todas as músicas fazendo tanto sentido. E cada mínimo detalhe como parte de uma história que definitivamente não pode ser por acaso. E todas as barreiras, antes intransponíveis, parecendo tão insignificantes. E tudo, de repente, mudando de dimensão de um modo tão poético e impreciso. E essa imprecisão quase que nos deixando fora de foco.

É que esse ato de redimensionar a vida nos marca e deixa saudade. Depois do amor, toda a poesia parece rimar. 

terça-feira, 17 de abril de 2012

DIÁLOGOS MUDOS


Você chega, pula duas ou três cadeiras e se senta. Você me pergunta um “tudo bem?” muito casual. E eu respondo que sim, mesmo que por dentro eu seja pura tempestade. Digo “sim” porque já é automático. Minha vontade era te contar tudo e tentar explicar o que eu também não entendo. Mas essa formalidade toda me barra. E fico me ponderando de um modo quase violento. E, se te devolvo a pergunta com um “e você?”, já sei a resposta de cor. “Eu também”. Mas não consigo acreditar que a gente consiga viver assim tão bem sem amor.

No outro dia, sou eu quem pula as duas cadeiras na hora de se sentar. Já aprendi que deve ser assim. Falamos sobre tudo e não dizemos nada. Escolhemos palavras minuciosamente de modo a revelar o menos possível. Eu não quero te amar. E você não precisa gostar tanto de mim. Só precisamos da simpatia. É assim? Você me esbarra e pede desculpas. Mas isso significa tão pouco! Queria te dizer que esbarrar em mim não é um problema grave, mas me limito a dizer “tudo bem”.  Já aprendi que deve ser assim.
Não passamos disso. De você, sei pouco além do nome. De mim, talvez só se saiba o que está escrito. Melhor assim. Eu não gaguejo e você não me sabe. Eu não te entendo e a gente se aceita. Sem brigar. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

LÁ NO CÉU E AQUI DENTRO



No caminho da faculdade para o apartamento, passo por um trecho em uma rodovia de onde avisto vários aviões no céu. Uns mais próximos, outros tão distantes. Admiro aquelas asas robustas e imponentes, aquelas formas perfeitamente aéreas e equilibradas. De longe, não passam de pássaros que não sabem bater asas. Mas, ainda assim, eu os admiro.

Aqueles ruídos. Aquele corte no céu. Aquela brincadeira deliciosa de esconde-esconde por entre as nuvens. Aquela fumaça deixada como rastro. Aquela janelinha através da qual cada passageiro sente que possui um pouco do mundo por alguns instantes. Aquela velocidade que eu suponho ser imperceptível para quem está lá no alto. Aquele friozinho na barriga que eu só imagino.

É uma fascinação estranha, eu admito. Nunca estive dentro de um avião, mas coleciono, em pensamento, as vidas que passam por ali. Imagino os destinos e pontos de partida. Invento motivos para as viagens. Passo a me envolver com os passageiros e com seus idiomas complicados, suas bagagens prontas, suas vidas delicadas, seus amores quase impossíveis e suas profissões de coração. E narro, dentro de mim, as dores da partida, o gosto da saudade, o abraço de reencontro. E narro, dentro de mim, passo a passo sobre o que se sente ao voar. Porque meu coração, de alguma forma, bate asas o tempo todo.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

PARA NÓS

Nós, as mulheres.

Nós e nossa obesidade imaginária. Nossos dias no mês de tensão perpétua. Nosso sexto sentido e todos os outros sentidos além da conta. E, em nome deles, nossa quase mania de perseguição. Nossas intrigas disfarçadas. Nosso desejo extravasado de autonomia e autenticidade. Nossa vontade absurda de ser quem somos, doa a quem doer, se contrapondo ao nosso desejo profundo de mudar tudo do dia para a noite. Nossa vaidade lutando no espelho contra algumas inseguranças tolas. Nossas explosões repentinas. Nossos desejos comprimidos por conveniência. Nosso lado que se esqueceu de virar mulher ameaçando nosso salto alto. Nossas franjas, nossos sorrisos, nossas bolsas de segredos inconfessáveis. Nossas agendas que marcam encontros, consultas e frases bonitas. Nós e cada uma de nossas compulsões. Nossos amores platônicos implorando, dentro de nós, pra que ninguém venha nos lembrar de que a realidade existe, insiste, persiste. Nosso mundo da lua. Nossa vida real. Nosso cotidiano, nossas mentiras, nossas verdades e todo o resto. Todo o nosso resto e tudo o que sobra depois do final de cada dia. Toda mulher é várias.