sexta-feira, 28 de maio de 2010

COM CONVICÇÃO

Por apenas um dia, aceito ser colocada à prova e aguardo aprovação. Reconheço os pesares que pesam no peso da minha leveza e levo comigo um leve sorriso que afasta, em minutos, tudo o que é leviano. Assino embaixo daquilo que se funde a mim e confesso que tudo, sem exceção, foi feito pra confundir. Aposto no oposto que se opõe às apostas e segue acreditando na sua própria posição de felicidade. Idealizo aquele que se diz dono de idéias e ideais e exige indenização a cada identidade roubada. Peço que soltem o sol que me foi solidário e que sublima tudo o que um dia foi solidificado. Imploro que liberem a lua que lidera a noite e lhe dera a sorte de linear o amor da gente. Insisto na proposta maluca de, propositalmente, proporcionar preposições não previsíveis e nem preparadas ao predicado que não tem sentido. Aquele que não tem sentido precisa urgentemente de um coração que lhe faça sentir, porque sem ti é que o verbo não pode ficar. Sobre os nomes, digo que nenhum sobrenome é capaz de nomear aquilo que não é sóbrio. O que não é sóbrio é quase ilícito e, por isso, é só sonho. Afirmo, com convicção, que aquele que se convence fácil não converte nenhum cidadão. E que é uma pena que não se possa penalizar àqueles que são covardes, porque a covardia é a pior maneira de tornar tardios os sonhos e fazer com que tudo o que é belo não atravesse o travesseiro. Travessão para as falas bonitas! De coisas bonitas é feito o amor que não pode emudecer.

terça-feira, 18 de maio de 2010

SOBRE A DONA DAS PERNAS CURTAS


Honesto e limpo seria o mundo se nós disséssemos sempre a verdade. Se fôssemos sempre sinceros a respeito de nossos próprios amores, crenças, medos, tentações. Se a verdade fosse vista nos olhos nos olhos e nos olhos. Se as paixões fossem sempre sinceras e os olhares, sem exceção, fossem verdadeiros. Mas é inegável que, de vez em quando, inventamos amores, reescrevemos os contos, acrescentamos meros detalhes, poetizamos as velhas poesias, passamos nossos rascunhos a limpo, rebuscamos os fatos. É própria do homem essa mania de interpretar.

Contamos mentiras sinceras pra nos distrair. Distorcemos as coisas miúdas pra não ferir. Pra colorir o mundo. Pra criar finais felizes. Pra passar o tempo. Pra narrar desfechos surpreendentes. Pra impressionar. Pra florear as histórias. Pra intensificar a paixão. Pra mistificar a crença. Pra suavizar a prosa. Pra disfarçar a solidão. Pra nos parecer com os melhores personagens. Pra viver caso de novela. Pra tentar ser emocionante. Pra convencer os outros. Pra nos auto-afirmar. Pra iludir. Pra ludibriar. Pra reformar o feio. Pra conservar o belo. Pra rimar os versos. Pra se apaixonar. Pra se aproximar. Pra ignorar o impossível. Pra voar um pouco mais alto. Pra tocar o inatingível. Pra viver o sonho. Pra cicatrizar as feridas. Pra ficar bonito. Pra trazer alguém pra perto. Pra não perder esse alguém. Pra fingir que é amor. Pra ser mais sutil. Pra não falar palavrão. Pra não descer do salto. Pra não perder o controle. Pra não chorar. Pra não sair de cena. Pra ser legal. Pra continuar na pose. Pra não revelar o segredo. Pra fazer vista grossa. Pra sair da rotina. Pra não parecer bobo. Pra entrar na dança. Pra chegar no clima. Pra alcançar o inalcançável. Pra ser um pouco mais feliz.

Idealizamos um outro cenário para o nosso filme, mudamos de lugar os objetos aparentemente indiferentes ao produto final, acreditamos na encenação dos atores (inclusive na nossa própria encenação), reorganizamos as falas, alteramos o script. É isso: nossa vida é um filme gravado ao vivo e sem ensaios.

A verdade é que a mentira pode ser incrivelmente linda, assim como as fantasias que, vez ou outra, nos permitimos vestir. Tudo bem. Ser você mesmo a vida toda não é fácil, eu bem sei. A realidade inventada pode nos fazer momentaneamente felizes. O imaginário pode nos fazer criativos. Mas o mergulho no abstrato também pode nos fazer perdidamente loucos. Fora da realidade e sem tato. Não aceito me acostumar com o não palpável, por isso escolho a verdade. Aquela que me torna lúcida e sóbria. Vez ou outra me perco no que não existe. Mas, mesmo com a cabeça nas nuvens, insisto em manter os pés no chão e acreditar nessa utópica transparência que ilumina. A verdade eterniza.

sábado, 15 de maio de 2010

JUÍZO FINAL



Eu poderia muito bem deixar tudo isso pra lá e me calar diante de tal situação aparentemente (ou, quem sabe, verdadeiramente) irreversível. Sim, eu sei que poderia. Poderia conter essa minha urgência louca, desmedida, atrapalhada, apressada, atropelada e sem razão. Eu sou assim mesmo, você já deveria ter se acostumado. Não me peça pra ser compreensiva ou maleável. Eu não consigo. Não sei te levar e não te levar a sério. Sou, por natureza, inconformada. E, enquanto houver direito ao grito, eu vou gritar. Sou, por natureza, revolucionária. Dentro de mim, há um coração batendo forte, acelerado e descompassado. Sempre foi assim. Meu amor explode aqui dentro e só, mas já te disse antes que isso era segredo.

Enfim, sei que poderia não fazer dessa saudade uma sentença pronta ou não transformar essas palavras, antes soltas, no nosso próprio juízo final. Já sei que você detesta esses papos, sempre detestou. E sei que poderia te causar intensa agonia e insegurança nesse momento, caso me calasse. Caso desaparecesse e evaporasse sem te deixar pistas ou vestígios. Você se espantaria e questionaria o que é que, afinal, me ocorreu. Afinal de contas, eu nunca me calei. Em hipótese alguma. Sempre gritei o mais alto que pude, mesmo que, muitas vezes, o som da minha voz não tenha chegado aí. Nenhuma realidade ou fantasia, mesmo que finalizada, me levou ao tal ponto final. Sempre segui exclamando. É minha essa mania de exclamar.

(Exclamo pra me mostrar e, por fim, te mostrar.)

Poderia te deixar sem notícias por semanas, te afogar no meu silêncio e responder, dessa forma, a tudo o que nos aconteceu. Mas sempre há algo a ser dito. Releve isso também, por favor. Estou muito acostumada (e acomodada pelo costume) a te dizer tudo. Foi assim que começou, não foi? Comigo te dizendo. E é assim, desse mesmo jeito torto, que te digo até hoje. E sigo dizendo. Tome essas palavras como suas, porque, dessa vez, elas realmente são. E, fique você sabendo: sempre foram. Entendo perfeitamente suas ocupações, sua falta de tempo, seus atrasos, seus amigos, suas vontades, seus desenhos, suas histórias, seus papos. Mas entendo também, e com ainda mais perfeição, que a sua vida não me cabe. Sei que poderia simplesmente entender isso e, com esforço sobrenatural, esquecer tudo o que foi dito até aqui. Mas não consigo, porque preciso dizer ainda mais pra sentir que tudo está mais claro e limpo.

(Palavras sempre limparam e esclareceram a minha vida.)

Poderia não dramatizar tanto o nosso caso, não insistir tanto nessa história, não usar tantas falas prontas pra te convencer. Poderia, pelo menos dessa vez, deixar de lado as minhas ceninhas. Aqueles dramas que, no fundo, só pedem atenção. Afinal, eu nunca fui mesmo uma boa atriz. Poderia engolir o choro algumas vezes, e fingir ser forte e corajosa. Pelo menos enquanto você estivesse por perto. Mas, a vontade de não te deixar ir antes de me ouvir toma conta da possibilidade de, sabiamente, ignorar todas essas realidades imutáveis às quais eu não tenho mais (se é que um dia tive) poder de mudar. Mas, entenda o que eu vou dizer: eu nunca fui uma boa atriz. Assim, eu usaria minha mudez pra assombrar o seu mundo, invadir sua casa, pesar sua consciência, atormentar suas mentiras, prolongar seus dias, enfatizar suas horas, quebrar seus vidros, explodir sua audição. Poderia ser sutil como o tiquetaquear do relógio e te emudecer com o som intenso e alto do silêncio que grita, em algum canto, dentro de mim. Poderia te trazer pra cá em meios segundos pelo azedo da minha ausência, mas eu insisto em querer que você esteja aqui pelo doce da minha presença. Talvez, ao longo dos anos, tal doçura tenha se perdido, se dissipado pelo universo, ou mesmo se transformado em leve e sutil amargura nos dias de inverno. Bem sei que poderia despistar. Mas, afinal, eu nunca fui mesmo uma boa atriz.

Queria que, lendo tudo isso, você me sentisse perto, da maneira com que sempre tentei, do meu jeito, estar. Mais perto do que nunca. Você já deve saber que eu não gosto de lero-lero. Quem me conhece, sabe. E eu espero que você também me conheça. Espero que, no meio de tanta gente, você ainda não tenha se esquecido de quem eu sou. Sei que sou irônica quando algo me aborrece. Sei que somos como ouriços tentando nos aproximar. É claro que isso nunca poderia dar certo. Já te adianto que não pretendo, nunca pretendi, te machucar com meus espinhos. Desejo, de coração, que minhas palavras não te tirem o humor ou a alegria. Sei que você é alegre e sua alegria me alegra também. Por isso, guarde tudo isso sem dor, “embora, em segredo, doa”.

O que eu quero te dizer, nesse momento, é que está se tornando cada vez mais difícil pra mim, viver de idealizações. E manter vivo um sentimento desse jeito está se tornando impossível. Não posso continuar arquivando tudo o que quero te dizer pra um dia qualquer. Isso não faz bem pra mim e, por isso, não pode fazer bem pra você também. Portanto, não queira que eu guarde palavras que me arranham noite e dia por medo de ser arranhado. Eu não tenho garras, mas também não tenho meias verdades. Minhas palavras são inteiras. E suas.

Pensei ser forte, mas percebi (e da pior forma possível) que não sou. Pelo contrário, sou uma menina frágil, de pouco mais que um metro e meio, tentando, a todo custo, ser dona de algumas verdades. Sou uma colecionadora de palavras e de notas que, articuladas, criam muito mais do que frases e músicas. Criam amores. E foi assim que eu te criei em mim.

(Um dia me disseram que só o criador pode destruir a criação.)

Até pensei que seria fácil me ausentar de você ou te ausentar de mim. Tanto faz no fim das contas. Mas, honestamente, eu me enganei. A psicanálise diz que há duas maneiras de matar alguém: fisicamente ou psicologicamente. A segunda possibilidade me causou um êxtase. Confesso que pensei ter encontrado uma solução pra tal caso de amor impossível, levemente inviável ou desastrado, quando ouvi isso. Bastaria te matar do modo indolor e sutil, sem te eliminar da vida, que você tanto ama. Bastaria te matar de mim. Me disseram que o processo era simples. Só precisaria eliminar tudo, sem exceção, dos seus restos que ficaram em mim. Música, foto, livro, poesia, carta, porta-retrato, sonho, cheiro, pó, segredo, endereço, telefone, nome. Tudo, exatamente tudo. Eu teria que perder a memória por você. Mas eu descobri que isso não poderia ser tão fácil. Há mais de você em mim do que eu supunha. Somos o paraíso um do outro e, juntos, somos nosso próprio paraíso. Particular.

Sei que já disse demais. E imagino que você já deve ter entendido tudo, se é que isso já não havia acontecido enquanto eu silenciava. Mas sempre foi uma característica minha prolongar os fins. Não sei de nenhum modo bonito pra finalizar uma carta assim. Mas prometo que você continuará aqui comigo por um longo tempo. Prometo compreender, com carinho, toda a sua história. Prometo seguir com esse amor explosivo dentro de mim. E prometo cumprir todas essas promessas. E prometo, com ainda mais fervor, prometer tudo de novo, quantas vezes for preciso.