sábado, 26 de fevereiro de 2011

SAUDADE

"Perdoem o silêncio, o sono, a rispidez, a solidão. 
Está ficando tarde, e eu tenho medo de ter desaprendido o jeito."
(Caio Fernando Abreu)

 

Se for pra abrir meu coração aqui, preciso mesmo é dar o grito. Os espinhos do caminho têm ferido meus pés e não há tempo suficiente para que as feridas cicatrizem antes que eu volte a caminhar. Estou cansada de me anestesiar com meus lirismos. Não quero mais fechar os olhos pra nada que não me faça feliz.

O caminho é longo. Eu sempre soube que seria. Tenho neblina nos olhos, tenho a boca seca, tenho o coração fragilizado e sem ritmo.

O verbo se confunde. O verso se confunde. Torno-me verborrágica, dou voltas em torno de mim mesma pra falar o que é mais simples, me sinto teórica demais e, por isso, me calo. Me calo por opção. E, às vezes, tenho medo de emudecer de vez. Medo de me perder nesse caminho longo e solitário, de perder minhas coleções, de ficar estagnada em alguma estação. Medo de esquecer a letra daquela canção que eu ouvia sempre  ou de, um dia, meus vocativos urgentes tornaram-se inaudíveis. Medo de, em algum momento, não ser mais prosaica nem poética, de perder os trocadilhos e a inspiração. Medo das minhas farsas de final feliz me invadirem tanto, que eu já não me sentir capaz de contar sobre meus fins despedaçados, meus inícios desconexos, minha fala descompassada. Medo do que vai sobrar de mim depois do fim. Medo desse desabafo. Medo de que me julguem louca e de que, em algum momento da história, eu já não seja capaz de contar estrelas.

Me lembro dos dias do verão passado. Me lembro dos dias da versão do passado. E sinto saudades.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

PLÁGIO

Te leio ao pé da página
Seu verso decassílabo me sorri
Me transformo em papel em branco
E torço pra que me escreva

Se te falta inspiração, inspiro e te inspiro
Te seduzo e te peço pra não desistir
Só o seu soneto me faz feliz

A poesia vira ar e argumenta comigo...

Se a prosa anda curta e apressada
Prolongo as horas e reinvento o futuro
Não levante agora, o amor virá na hora não marcada
E nós... Temos todo o tempo do mundo

Se a folha te parece tão mais sutil quando está em branco
Coloco na sua mochila um pouco mais de amor
Descubra onde se esconde a falta que eu sei que te faço

Porque todos os versos agora amam...

Se as palavras finais te parecem tristes demais
Te mostro que existe borracha
E apago tudo sem rasgar o papel
E continuo desejando a nossa história

Permito que construa assim o nosso conto
E me transformo na sua própria literatura
Pra te lembrar que os sonetos ainda podem ter final feliz

A letra é o céu, é o seu...

Permito que construa assim o nosso canto
Estrofe por estrofe, com ou sem rima
Nossa canção é, por si, ritmada
Nossa página tem a minha entonação

Antes de você assinar, cometo um crime
Te copio por mera vontade de também amar
Finjo ser você por pura vaidade de poeta

Você é o amor...

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

VITÓRIA DO TEMPO

O mês perde seus dias, pouco a pouco. Cada dia vira pó, mas o futuro virá. As datas de xis ultrapassaram aquelas em branco, no velho calendário de folhas já amareladas que havia sido pendurado com carinho na parede azul da sala de estar. Por que é que as folhas de um calendário do presente ano ficam amarelas assim, tão depressa? Não é depressa que os dias passam, mas, amontoados, os dias do passado parecem ter criado asas e voado pra bem longe, onde já não se vê ou lembra mais. O amarelo das folhas é mistério. Todo caso precisa de algum mistério pra seduzir. Mistério seduz, entendeu? Então anota. Anota o que eu digo, mas não repete. Inverte. A casa de que falo não existe, mas finja existir. Só pra seduzir. E seduz.

Se for pra descrever, já adianto que todas as outras paredes um dia foram brancas, mas as ruínas do tempo tornaram-nas acinzentadas pela chuva e conseqüente infiltração. O que é que o tempo não há de fazer? Tempo faz e desfaz. Fazer o quê daquilo que o tempo faz? Refazer o quê se o tempo tudo desfaz? Não dá. Disfarça essa idéia, porque ficou impossível lutar contra aquilo que nos move. Tempo é ontem, hoje e amanhã. Tempo existe antes de a gente existir e vai continuar existindo na próxima era, quando nem você nem eu houvermos mais. Pra que haver em um mundo em que tudo, absolutamente tudo, se desfaz? Deve haver algum motivo pra gente haver. O motivo é simples e tem tudo a ver: se houver amor, há de haver a gente. A gente é semente, e o amor nascerá. Nascerá em parto sem dor. E será um bebê que chora, chora e ri, ri e chora e depois ri. Um bebê que chora e ri ao mesmo tempo e a gente fica se perguntando se ele é feliz ou se é triste demais. Amor é assim. Amor não se sabe. Amor o tempo não desfaz. Ou desfaz? Se não desfaz, pouca coisa é amor. Porque pouca coisa fica sobrevoando nossos ares por muito tempo. É que com tanta coisa pra se ver e sentir e com tantos destroços daquilo que o tempo faz e desfaz, ficamos a mercê de um vai e vem sem fim. A gente até chora, mas o tempo também desfaz o choro. E põe um riso na cara. E lava a cara. E comemora. O tempo venceu.