quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

VITÓRIA DO TEMPO

O mês perde seus dias, pouco a pouco. Cada dia vira pó, mas o futuro virá. As datas de xis ultrapassaram aquelas em branco, no velho calendário de folhas já amareladas que havia sido pendurado com carinho na parede azul da sala de estar. Por que é que as folhas de um calendário do presente ano ficam amarelas assim, tão depressa? Não é depressa que os dias passam, mas, amontoados, os dias do passado parecem ter criado asas e voado pra bem longe, onde já não se vê ou lembra mais. O amarelo das folhas é mistério. Todo caso precisa de algum mistério pra seduzir. Mistério seduz, entendeu? Então anota. Anota o que eu digo, mas não repete. Inverte. A casa de que falo não existe, mas finja existir. Só pra seduzir. E seduz.

Se for pra descrever, já adianto que todas as outras paredes um dia foram brancas, mas as ruínas do tempo tornaram-nas acinzentadas pela chuva e conseqüente infiltração. O que é que o tempo não há de fazer? Tempo faz e desfaz. Fazer o quê daquilo que o tempo faz? Refazer o quê se o tempo tudo desfaz? Não dá. Disfarça essa idéia, porque ficou impossível lutar contra aquilo que nos move. Tempo é ontem, hoje e amanhã. Tempo existe antes de a gente existir e vai continuar existindo na próxima era, quando nem você nem eu houvermos mais. Pra que haver em um mundo em que tudo, absolutamente tudo, se desfaz? Deve haver algum motivo pra gente haver. O motivo é simples e tem tudo a ver: se houver amor, há de haver a gente. A gente é semente, e o amor nascerá. Nascerá em parto sem dor. E será um bebê que chora, chora e ri, ri e chora e depois ri. Um bebê que chora e ri ao mesmo tempo e a gente fica se perguntando se ele é feliz ou se é triste demais. Amor é assim. Amor não se sabe. Amor o tempo não desfaz. Ou desfaz? Se não desfaz, pouca coisa é amor. Porque pouca coisa fica sobrevoando nossos ares por muito tempo. É que com tanta coisa pra se ver e sentir e com tantos destroços daquilo que o tempo faz e desfaz, ficamos a mercê de um vai e vem sem fim. A gente até chora, mas o tempo também desfaz o choro. E põe um riso na cara. E lava a cara. E comemora. O tempo venceu.