sexta-feira, 25 de julho de 2014

RESSACA

Você não foi, como no fundo eu já imaginava. Minha alma pesada e meu coração sem vergonha já te esperaram bem mais do que deveriam. Até o último segundo eu te imaginei entrando por aquela porta e dizendo que é muito feio não dar ouvidos ao coração. Eu sei, você não diria com essas palavras. Na última semana, listei todas as possíveis palavras que você usaria para dizer isso e defini qual seria minha resposta para cada possibilidade. Rasgo agora a minha lista imaginária, frustrada por você ter contrariado o roteiro que eu planejei com mais amor do que cabe em mim. É ridículo, eu sei.

No fundo, tudo isso é só porque eu queria te dizer que eu fui. Eu fui porque meu narrador interior insistente me dizia que você iria, me pegaria pelo braço e me levaria para qualquer outro lugar. Hoje o que me consola e ao mesmo tempo me apavora é saber que tudo isso vai passar. E que nem sequer vai demorar muito. Duas semanas? Um mês? Só até que a próxima pessoa entre por aquela porta, a mesma pela qual hoje você simplesmente não passou, e me pareça diferente de todas as outras pessoas que passam pra lá e pra cá em um outro ritmo. Não é triste tudo isso?

Não, você não deve achar nada disso triste. Eu sei lá o que você acha, na verdade. Eu sei lá se você ainda lê o que eu escrevo. Já não sei a quantas anda seu coração.

Amanhã eu vou sentir uma ressaca imensa, vou chorar um pouquinho e vou escrever mais um ou dois textos sobre você. Mas a angústia apertada por você não ter ido vai se repetir em mim até que eu me convença de que não era mesmo pra você ir. E, daí em diante, eu já posso escrever outras cartas de amor... 

quarta-feira, 16 de julho de 2014

CARTA ABERTA PARA ALGUÉM QUE VAI EMBORA

Seu voo é amanhã. Suas passagens estão compradas há um mês, mas eu não queria pensar sobre isso. Mas seu voo é amanhã e eu não quero ir com você até o aeroporto. Seu voo é amanhã e eu não sei se vou te ver mais algum dia. Seu voo é amanhã e eu não lido bem com despedidas. Ainda nem sei se estou preparada para receber seus postais. Seu voo é amanhã e eu ainda não disse tudo o que precisava dizer. Queria só mais uma semana, ou quem sabe um mês, ou quem sabe a vida inteira. Seu voo é amanhã e eu não sei como vai ser quando eu ouvir Beatles por aí de novo. Que se dane Let it be ou Love me do. Mentira. Estou ouvindo All you need is love nesse momento e ainda não consigo mandar esse refrão ir ver se estou na esquina porque ainda acredito em nós. Mas seu voo é amanhã às nove e eu ainda não te dei a foto que mandei revelar há mais de uma semana. Seu voo é amanhã às nove, você chega no aeroporto às sete e eu acabo de rasgar a carta que pretendia te entregar, pedindo encarecidamente que você só lesse durante a viagem. Seu voo é amanhã e me parece, de repente, que não cumprimos nem metade dos nossos planos. Seu voo é amanhã e eu sei, eu tenho certeza, de que a vida vai nos separar, mesmo que tenhamos prometido um para o outro o contrário. Seu voo dura doze longas horas e eu pretendo estar muito bêbada quando o avião decolar. Seu voo dura doze longas horas e eu não sei o que fazer depois que a embriaguez passar.

Seu voo é amanhã, por enquanto você fica em mim, mas não sei até quando.

Seu voo é amanhã, eu te amo hoje e eu sei que não vou te amar para sempre, a despeito de qualquer promessa iludida que tenhamos feito olhando nos olhos. 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

COMO EXPLICAR PARA O SEU FILHO A DERROTA DE ONTEM

Hoje vi muita gente preocupada em como explicar para as crianças a triste derrota do Brasil na semifinal de ontem. Sei que é doído ver uma criança que até ontem balançava a bandeira e tocava a corneta pela casa chorar pelo fim de um sonho. Sei que machuca ver as lágrimas escorrendo nos rostinhos pintados com tinta guache. Mas precisamos assumir que as crianças têm ainda pouca dimensão do que é uma derrota, cabendo a nós, adultos, mostrar a elas que perder uma copa está muito longe de ser o fim do mundo. Aliás, talvez a copa seja uma oportunidade para apresentar às crianças exemplos palpáveis do que é a vida e de qual a maneira mais bonita e corajosa de enfrentá-la.

A você, que tem essa dúvida de como explicar para o seu filho o que foi a goleada de ontem, sugiro que comece dizendo que a frustração da derrota ainda terá que ser sentida e suportada por nós em inúmeras outras ocasiões, que o mundo ainda vai moer nossos sonhos dezenas de vezes e que as pessoas e fatos não operam de acordo com nossas vontades e expectativas. A vida é exatamente assim, não? Uma sucessão de perdas e ganhos que muitas vezes vêm em momentos que não poderíamos prever.

Eu diria também que o jogo de ontem é um ótimo exemplo dos fatores que conduzem a uma vitória limpa e merecida: preparo, dedicação, coragem e, é claro, o famoso “na hora certa e no lugar certo”. Quanto antes compreendermos isso, mais preparados estaremos para marcar o gol quando chegar a hora certa e quando a vida nos conduzir aos lugares certos.

Em seguida, sugiro que você diga que, muito antes do futebol, há inúmeras outras questões que fazem o sucesso ou o fracasso de um país, e que se o dia de ontem foi um “vexame histórico”, a história do Brasil com certeza pode nos mostrar diversos outros vexames bem mais vergonhosos, e que contra esses episódios sim nós deveríamos nos revoltar. Depois, sugiro que você explique para a sua criança que nossos sentimentos de orgulho e vergonha têm que ser menos frágeis e inconstantes, que perder não é necessariamente vergonhoso, que ganhar não é a única coisa que importa, e que o nosso patriotismo não deve estar à mercê de uma vitória na Copa do Mundo. Por favor, não deixe seu filho odiar a camisa amarela, jogar fora o álbum de figurinhas ou repetir que coisas assim “só acontecem no Brasil” só porque a seleção perdeu ontem. Diga a ele que o David Luiz, o Tiago Silva e tantos outros não deixaram de ser admiráveis do dia para a noite e que ser fã do Neymar ainda é permitido. Diga a ele com muita convicção que o Brasil não precisa ser o país do futebol para sempre, que morar aqui não se tornou melhor ou pior de ontem para hoje, que nosso orgulho e nossa honra não podem estar apoiados no que, antes de mais nada, é um esporte.

Por último, eu proponho que você diga ao seu filho que todas essas pessoas que machucam outros torcedores, incendeiam ônibus e depredam o patrimônio público imbuídas pela revolta do fracasso são o exemplo claro de como não se deve agir diante de uma frustração, e que talvez essas pessoas não tenham tido a chance de ouvir tudo isso de seus pais. E, para finalizar, espero que você saiba dar o exemplo ao seu filho de como lidar com situações que não vão de encontro ao que gostaríamos: com tristeza, sim, afinal sempre será nosso direito sentir a dor, mas também com respeito, resignação e – por que não? – docilidade. 

segunda-feira, 7 de julho de 2014

CARTINHA DE AMOR

Querido,

Escrevo essa carta sem a pretensão de que ela possa cruzar nossos caminhos. Escrevo na esperança de que a palavra escrita me salve ou me liberte antes do tempo do luto, que costuma ser sempre longo, indigesto e um pouco doído. Até gosto dessa dor e de toda a poesia que ela me rende, mas por alguma razão dessa vez eu preferiria te eliminar de vez de todos os cantos em que seu nome ecoa dentro de mim. Mas são tantos...

Escrevo esperando que todos esses sentimentos em constante colisão dentro de mim passem definitivamente da minha alma para o papel em branco (e não voltem). Escrevo para antecipar esse fim, que mais cedo ou mais tarde virá. Percebe? Mais cedo ou mais tarde você transitará para o campo da memória e seremos um para o outro apenas a doçura da lembrança - essa sim eterna. Melhor assim.

Lá se foram dois parágrafos e você continua em mim. Não era pra ser desse jeito. O meu plano era que, escrevendo, eu te matasse do lado de dentro e expelisse para o papel todo esse amor bobinho que, de tanto sonhar, já não sabe o que fazer. Mas não. Você se multiplica descontroladamente dentro de mim e eu simplesmente não sei como lidar.

Encerro aqui a mais bobinha de todas as cartinhas de amor que já escrevi. Relendo agora, me sinto de volta aos quinze anos. Amar tem dessas coisas, não? Queria mesmo que, terminando de ler, você devolvesse logo o papel para dentro do envelope e viesse correndo me ver...

Com amor,

Silvia