sábado, 31 de julho de 2010

RELATO

Construímos nosso caso em cada acaso que cruzava meu caminho com o seu. Fizemos o nosso amor conforme as velhas ilusões nos guiavam. Fizemos do nosso amor exatamente o que o nosso amor fez de nós. Foi bonito.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

PRIMEIRAS VEZES

Ela ganhara, de presente, o futuro. A vida, dali em diante, seria um emaranhado de primeiras vezes. Ela sabia que o costume, em algum momento, tiraria a mágica. O hábito traria a monotonia. A rotina transformaria os dias, outrora pontuados com reticências, exclamações e interrogações, em um amontoado de segundos previsíveis que aguardam ansiosamente pelo ponto final. Segundos que se apóiam em vírgulas, em busca de mero descanso. Segundos que, pendurados nos pontos, fazem a pausa para a respiração. Mas ela insistia em segundos sem fôlego. Tudo aconteceria, com o tempo, conforme o esperado. Tudo caberia exatamente, talvez milimetricamente, na rotina. Mas ela não pensaria nisso agora. Aquele era o momento da primeira vez.

Toda primeira vez tem certa mágica. Não existe um jeito de ser diferente. Não existe, nem mesmo, outra palavra para definir o novo, senão esta: mágica. Aquilo que nunca antes se fez. Aquilo que nunca talvez se tenha imaginado. Aquilo que nem se sabia que existia. Assim era a vida pra ela. Um presente de embrulho irresistível. Um presente que ela precisaria abrir para descobrir. Não era possível prever o que se escondia naquela caixa. O tato falhava, porque o futuro não era palpável. Nunca fora. Mas ela tinha coragem para abrir o presente e, só então, descobrir o que o futuro reservava. Fosse bom ou fosse mau, ela aceitaria de coração aberto.

Decidiu que assassinaria, então, todas as segundas, terceiras, quartas ou infinitas vezes. A vida dela seria feita apenas das primeiras vezes. Ela seria apenas tentativa. E, tentando, acabaria por se transformar em alguma coisa bonita, possivelmente parecida com os contos de fada que insistia em não abandonar. Ela poderia até adentrar alguma constelação de estrelas ou riscar bem forte o destino. Seu traço era forte o suficiente para rasgar as entrelinhas da sua história, que já estava inteiramente escrita. Mas o que ela não queria mesmo era passar o imaginário para a memória. Queria que tudo fosse apenas ápice. Queria que os segundos acendessem e ascendessem, como mágica. Queria que tudo durasse apenas o necessário para ser inesquecível. Queria que tudo terminasse bem na hora de acontecer, pra que o gosto sempre fosse doce. Não fazia questão de entender, não requisitava nenhuma explicação. A vida não tinha e nem pedia explicações. A vida pedia pra ser vivida. E ela vivia, com coragem.

terça-feira, 13 de julho de 2010

CONTOS E CANTOS


Vivo me escrevendo. Me descrevendo. Vivo virando letra. A minha casa é a sintaxe. A minha frase não tem vocativo. Minha frase é sua, quase sempre sua. Mas, vez ou outra, não é. É que vivo me fraseando, me parafraseando. É essa a minha sina: engendrar contextos. E eu cumpro.

Quando sou frase, minha meta é trocar a ordem das palavras. Eu, que nunca soube contar, não tenho numerais. Meus advérbios, especialmente aqueles de intensidade, oscilam sem pensar. E eu, à mercê desses advérbios, por vezes violentos, outras vezes apaixonados, mas sempre com alguma alucinação, fico totalmente rendida. A despropósito, essa luta é meio desigual. Não há um modo certo de lutar contra o que me domina. O advérbio da vez sempre acaba vencendo. Mas os adjetivos não mudam. Eu continuo a mesma. Sem disfarces. Continuo tentando ser dona. De verdades. De histórias. De amores. De palavras. De sonhos. E do meu próprio universo, que é e sempre será o pais de maravilhas. Os substantivos, sempre abstratos. O comum cansa, o simples também. O concreto então, enjoa. Sempre tive certa recaída pelo que não existe.

Mas, quanto a mim, sou histérica. Sou histórica. Não sou lúcida, mas ainda sou legível. Prefiro ser o sujeito da minha própria oração. Sobre os meus traços, não deixo pistas. Não me obrigue a apagar o que foi escrito porque, uma vez apagado, nunca mais te reescrevo. Escrevo forte, eu sei. Dizem que é característica dos gênios indomáveis. Talvez seja. Mas que fique claro que, ainda que eu tenha marcado todas as próximas folhas com o que escrevi, se um dia eu tiver que apagar tudo, não deixo marcas. E nem escrevo de novo. O que eu apago é passado. As palavras enchem meu coração de presente e futuro. O passado é só relato.

Por estar sempre em dúvida quanto ao verbo perfeito, vivo me transformando. Acho que vivo exatamente pra isso: pra me transformar. Nos últimos tempos, tenho me transformado, principalmente, em palavras. Em versos. Em estrofes. Em parágrafos. Em rimas. Talvez isso revele o que eu realmente sou. Talvez eu seja poeta. Vivo ritmada na minha própria canção. Vivo dentro ou fora do compasso, mas sempre recupero o tempo.

O segredo é que estou sempre me encaixando perfeitamente nas vidas que imagino e digo serem alheias. Mas, na verdade, não são. Cada vida nova que surge aqui dentro é, em partes, a minha própria vida. Cada terceira pessoa que cabe na minha prosa é, no fundo, um pouco da primeira pessoa. Terceira e primeira pessoa, nessa oração, já não sabem viver separadas. Já não sou nada sem os infinitos outros que existem em mim e que se multiplicam a cada vez que me deparo com a folha em branco. É que, a cada vez que escrevo, chego um pouco mais perto daquilo que eu sempre quis ser. Deixo parte de mim no ar, dispersa, dissipada ao bel-prazer do universo. Vôo rumo àquilo que mais me agrada, que mais se aproxima dos meus sonhos, das minhas utopias, das minhas miragens, da minha miopia. Viro etc. Já não faço questão de me contar. Tudo vira encanto e eu só canto. Não me sobra nenhuma molécula de sanidade. Me deixo enganar por esses personagens que me rondam e me t r a n s f o r m o.

Essa liberdade inconseqüente que voa ao meu redor explica tudo. E é por isso que faço tanta questão de ser livre. Sempre procurei por explicações. Escrevendo, eu me explico pra mim mesma. Finjo ter descoberto os mistérios da vida e acredito nas minhas versões. Escrevendo, eu entendo o passado, aceito o presente e prevejo o futuro com os mesmos olhos molhados de luz. Comparo minha vida com uma miragem. O presente, que divide o passado e o futuro, é exatamente a linha do horizonte que divide o céu e o mar. Me deparo com cada pedaço meu como se fosse peça única de um quebra-cabeça que poucos se atrevem a tentar montar. Mas, escrevendo, eu me atrevo. Admiro o que sou. Vejo meu perfil reluzindo nos textos. Porque eu fico mais bonita quando redijo. Conto dos meus amores e desamores através de mil nomes bonitos. Por isso, vivo tropeçando em mim mesma em cada linha. Vivo me encontrando, com ar de surpresa, casualidade ou coincidência, nos casos e nos caos que invento. Vivo me vestindo de personagens irreais, só para me proteger. Vivo me encaixando nos contos. Vivo me escondendo atrás do que não existe tentando, quem sabe, constatar a própria existência. Vivo observando o mundo com olhos de criança e acreditando que cada mínimo detalhe é dádiva. Já disse antes sobre o mundo de maravilhas do qual disponho. É nesse mundo que vivo. E é desse jeito louco e poeta que eu quero viver. Eis-me.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

SOBRE NÓS

Ele procurava por uma brisa suave que pudesse ser enterrada em terra fértil. Se deparou com as ventanias soltas que se recusavam a ser enterradas. As palavras dela não queriam emudecer. As palavras dela nem sempre eram brisa. Eram palavras ao vento. Ele queria ouvir o silêncio dos pensamentos dela. Desejava conhecer a redoma que a protegia dos ventos frios e, atento a todos os sussurros, ouvia o que só o coração sentia e amava o que não se via. Assim. Ele aceitou os seus anseios de menina, carregou os sonhos dela junto aos dele e, com os olhos puros, cativou.

Ela era uma doce criança à espera de um amor para a vida inteira. Um amor como aqueles dos livros que lia. Um amor parecido com aqueles dos filmes que a faziam chorar. Esperava, muitas vezes na janela, por alguém que ficasse. Alguém que simplesmente ficasse. Seria assim tão difícil ficar? Ficar, não ir embora, não deixar só. Era simples. Ela escrevia poesias inocentes endereçadas a esse alguém que ainda não tinha nome. Um alguém que ela ainda não sabia se existia, se falava português, se morava na mesma cidade ou país. Não importava o lugar do mapa. Ela acreditava que o amor transcendia os limites e atravessava todos os passos.

Ele surgiu numa das voltas da vida. Surgiu soprando no céu com sussurros que soavam silenciosos como sílaba suave que não sabe a hora de cessar. Chegou trajado de poeta, propondo ser amigo e se mostrando sonhador. Chegou comprovando todos os poemas e mostrou que ali havia uma emoção que precedia os fatos. Ela acreditava em tudo o que lhe diziam e, talvez por isso, acreditou que aquele amor era tudo o que buscava. Apostou fundo na miragem que se aproximava tanto dos seus sonhos e se permitiu. Entendeu que o que sentia era ainda mais bonito do que os filmes e mais sincero do que os livros. Entendeu que nenhuma palavra jamais descreveria tudo o que acontecia quando ela via todo o seu futuro dentro dos olhos dele. E, entendendo isso, assumiu que ele era passado, presente e futuro. Ele era. Era ele.

Sei que as lembranças hão de lhe importunar vida afora. Sei das inúmeras canções que ainda se encaixam perfeitamente em tudo o que já aconteceu e em tudo o que teria acontecido se ele tivesse ficado. Mas, ao que parece, ficar não é mesmo coisa tão simples. Ficar é mais difícil do que pode parecer. Será possível? “Se passaram anos”, ela repetia para si mesma. Sei que aquela imagem não vai desgrudar do pensamento. Sei que o reencontro será sempre a hipótese inviável. Sei que o amor já acabou, ainda que ela tivesse jurado, em seu nome, que jamais acabaria. Sei que o sol se pôs e a noite escondeu tudo o que ela sentia. Sei que a roda gira e gira sem parar. E num desses giros, ele surgiu. Em outro, ressurgiu.

Mas sobre nós, tenho a dizer que, uma vez desatados, não mais haverá tempo e espaço para que sejam refeitos. Garanto que ela, com toda a infantilidade, apertou o nó com toda força que não tinha. Posso assegurar o quanto ela, a menina, chorou ao ter que ver o mundo rodar. E posso assegurar ainda, com muita convicção, que os olhos correm e que tudo o que é fruto apenas da nossa invenção se vai. E, ainda com a volta, revolta.