terça-feira, 27 de setembro de 2011

SÓ MAIS UM SONHO

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Ando longe, longe. Em outro universo. Distante de boa parte do que adoro, mas muito perto do que preciso. Separada da minha jovialidade, da música alta, do agito e das noites que só deixam vazios para o dia seguinte. Excessivamente perto do que me faz sentir orgulho e acreditar que nada do que tenho feito será considerado em vão no futuro.

Ando longe, longe. Longe até de mim. Tenho passado tão rápido pelos dias, que já nem os percebo. Já nem me percebo. O que sobra de mim no espelho é apenas o vulto da minha pressa. Da minha vontade de que o tempo voe pra eu ter a chance de me ver voltar. E voltar feliz.

Aí vem o maior dos medos: será que esse caminho tem volta? Já me esqueci da sensação de não ter nada pra fazer. Já me esqueci da cor de uma manhã de domingo convidativa e feliz. Já me esqueci do que eu era antes de amar tanto os meus sonhos. Já nem me lembro do gosto apreciável de me permitir ser menos. De uns tempos pra cá, não espero nada de mim aquém do melhor. E, talvez por isso, tenho aceitado cada vez menos o que não é demais. Talvez por isso, já vejo o passado como algo tão remoto e distante, que voltar atrás parece impossível, ainda que eu queira. Tenho aquela estranha sensação de estar presa em uma expectativa que não tem fim depois que acaba. Apenas se transforma. Em algo ainda maior. E mais bonito.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

ANTIMONOTONIA


“Qualquer coisa é a casa da poesia.”
Adélia Prado

Quero o gosto inexplicável da surpresa. Quero avistar um lugar imprevisível, que só vira poesia depois que se vê. Quero uma escapatória para o tédio que assola a vida da gente. Quero que tudo esteja além da rotina. Quero que meus dias inspirem loucuras nas páginas que escrevo. Quero que cada minuto me lembre de que nada precisa ser tão igual, homogêneo, uniforme, diário, cotidiano, exato, pontual. Quero o cheiro da novidade. Quero que tudo seja novo de novo a cada amanhecer. Quero um andar diferente, menos compassado e ritmado. Quero ventos que tragam delírio visível e palpável, que não deixem dúvidas de que há sempre espaço para o inimaginável e que há sempre tempo para imaginar.

A verdade é que a vida verdadeira não se constrói apenas nessas delícias. Não foi sustentando sonhos improváveis que eu escrevi minha história. Nem será nos devaneios que encontrarei as conquistas dos meus ideais. Não que o devaneio não nos sirva: serve e muito. No entanto, é preciso muito mais que um arco-íris pra voltar pra casa com o pote de ouro. Felizmente ou infelizmente, o dia a dia exige muito mais de nós do que sonhos secretos, frases enigmáticas e enganos. Já dizia Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Ele estava certo. É preciso coragem pra viver a vida que é de verdade. Pra entender que certo mesmo é o tempo presente, as pessoas presentes, a vida presente. Pra entender que nossas vontades imprimem, em nossa realidade, as cores dos nossos sonhos. E que existem infinitas outras cores além daquelas que nossos olhos são capazes de distinguir.

Entre a loucura e lucidez, existe um campo aberto. Assim fica mesmo difícil se situar na posição exata. Em algum momento, a razão nos sufoca. E surgem as vontades improváveis, que são muito mais numerosas do que as possibilidades prováveis que existem na nossa paleta de cores.  

É para suprir essas vontades todas que existe a palavra. Pra realizar o impossível. Pra satisfazer os loucos. Pra acalmar nossa inquietude. Pra gente desabafar. É esse o meu lado metalinguístico. É essa a minha linguagem. Não há lugar melhor pra se viver do que a “casa da poesia”.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

EM PLENO SÉCULO XXI

* ilustração por Felipe Sakae 

"São tempos difíceis para os sonhadores.” - Amélie Poulain

Nos dias de hoje, sonhar não é tarefa das mais fáceis. As pessoas mais contemporâneas têm seus sonhos expostos em vitrines e seus maiores desejos fantasiados de gente bonita na televisão. As setas apontam para alvos palpáveis que desabilitam o nosso lado imaginário, inventivo, introspectivo, abstrato. As metas estão todas em liquidação. O preço do sentimento caiu tanto que se tornou enganosamente acessível. No final das contas, estamos atolados de dívidas de todas as espécies.

Aproveitar a vida se transformou no discurso dos superficiais. Felicidade virou sinônimo de uma diversão alienada, desentendida e efêmera. Pensar é pra poucos.

Carpe diem caiu na boca do povo e se tornou expressão banal. As palavras mais profundas já têm tido seus significados distorcidos. Muito se diz sobre o que é amar, mas poucas coisas são, de fato, feitas por amor.

A vida das pessoas está escancarada nas comédias românticas dos Estados Unidos e nos livros de autoajuda que revelam “como conquistar um homem”, “como ter sucesso”, “como ser feliz”. Todos fazem de tudo pra seguir, passo a passo, as dicas infalíveis.

Nesse contexto, quem espera um pouco mais de um sábado à noite ou exige algo além de contato físico é definitivamente cafona. Desejar mudanças está fora de moda. Não, não é fácil ser um sonhador em pleno século XXI.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

METÁFORAS E CODINOMES


Quando ela percebeu que era possível – sim, era possível – ler além do que estava escrito, o mundo ganhou novas formas. Entendeu que teria, daquele dia em diante, um carma: enxergar o que quase ninguém vê. Abraçar as figuras da linguagem e todas as linguagens do universo. Naquele momento, houve um encontro (ideal) entre ela, tão pequena, e as palavras, que jamais teriam fim. E, junto do encontro, a grande descoberta: a vida escrita podia ser incrivelmente mais bela do que aquela que se resume na realidade. A síntese de poemas, a máquina dos sonhos, o imaginário. Neles, resumia-se a força vital da sua vida. E seguiu assim. Enganando através de codinomes e contando, por metáforas, alguns segredos. Sobrevivendo do imaginável universo que criara. Universo esse que parecia inimaginável para a maioria. Engolindo os dias como se fossem páginas. Dividindo em parágrafos um texto que não se lê. Assim era feliz: brincando de ser conotativa e fazendo poesia sem perceber.