quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

QUANDO DOIS VIRA UM


É claro. Amar ainda vale a pena. A vida a dois ainda é uma opção viável desde que uma série de pré-requisitos seja atendida, como cumplicidade e companheirismo e respeito e carinho e admiração. Namorar ainda me soa algo bonito, mas confesso que o “namoro do século XXI” definitivamente não me agrada. Eu vou te explicar.

Namorar tornou-se algo excessivamente meloso. Indubitavelmente enjoativo. E chato. Nunca fui avessa a compromissos, nunca mesmo. Até acho que o grande compromisso, aquele que verdadeiramente tem valor, mora dentro de nós. E, por essa razão, não sou adepta a aliança de compromisso, declarações explícitas e outras loucuras de amor. O amor é, por si, louco. Ou deveria ser. Afinal, quando é que renunciar a um monte de coisas que te faziam feliz por uma felicidade única que apenas se espera que seja eterna é ter sanidade? Mas enfim, indagações à parte. O que eu quero dizer é que ainda acredito no romance, mas que o amor que eu preciso pra me sentir inteira é muito diferente do que se vê por aí.

Pessoas começam a namorar e somem. Colocam aliança e você nunca mais sabe delas. Esquecem amigos, esquecem família e se esquecem de si. Um vira dois e dois vira um. Um só. Uma anulação em ambas as partes. Uma junção de metades pra compor uma unidade. Uma união de meias verdades pra fazer uma verdade inteira e um universo particular. Onde já se viu?

Sinceramente, gosto de amigos solteiros. Não que eu seja farrista, pelo contrário. Não que eu seja egoísta ou possessiva, nenhum pouco. Não que eu seja amargurada, não me considero. Não que eu tenha desacreditado no amor, eu ainda acredito. Mas sabe o que é? Eu tenho total desconfiança daquelas paixões do dia pra noite que dizem “eu te amo” como se fosse “oi” e depois dizem “adeus” como se fosse “até logo”. Entende? Não acredito em casais que se conhecem em baladas e juram amores eternos no dia seguinte pelo telefone. Não dou crédito a casais que se tratam por “amor”, “benzinho”, “linda” e “coração” o tempo inteiro. Não, eu não sou amargurada, já disse. Mas sabe o que é? Não suporto casais que se beijam loucamente numa roda de amigos. Não suporto amigos que rompem amizades sinceras para se dedicarem única e exclusivamente ao ser amado. Tudo bem, vou soltar uma verdade tão nua e crua que dói até na alma: acho que o amor é quase sempre transitório. Essa minha revelação não deve ficar sendo remoída, você corre o risco de concordar comigo.

Já tive amigas que sumiram por anos enquanto estavam namorando e apareceram incrivelmente uma semana após o término dispostas a sair comigo de segunda a domingo. Já tive amigos que deixaram de se importar comigo só para dar crédito a inseguranças mal fundamentadas, inexplicáveis e disfarçadas de ciúmes. Já vi pessoas parecerem irreconhecíveis quando ao lado do parceiro. E achei tudo isso um absurdo.

O namoro do século XXI é patético e totalmente contrário ao que se costumava esperar do amor em tempos de outrora. O que era pra ser leve pesa demais. O que era pra ser diferente e único é perfeitamente igual a todo o resto. O que era pra ser emocionante é monótono. O que era pra sair da rotina cai no tédio do dia-a-dia e do compromisso lacrado, calado, robô.

E quase sempre há um fim. Em meio a tantos amores que se arranja pela vida afora, a possibilidade de ser eterno é mínima. Quase sempre acaba em uma olhada mal arquitetada para um corpo avulso, em uma discussão medíocre de gostos e opiniões ou em muito cansaço. O cárcere enjoa até mesmo os corações cegos, iludidos, deslumbrados e apaixonados. A prisão cansa. A sensação de já não se pertencer sufoca. As proibições despertam a vontade de conhecer o novo. Afinal, sempre haverá mais além de onde seus olhos enxergam. O mundo sempre estará a nossa espera cheirando novidade. E, em algum momento da jornada, é grande o risco de um voltar a ser dois.

E o que sobra depois do fim? Quase nada. Sobra a solidão, o desconforto, os restos de tanto exagero. Sobra a falta de amigos, a ausência, o buraco profundo e aparentemente irreparável. Sobra a dor. Sobram os finais de semana em casa cheios de lembranças. Sobram as cartas que melam até a alma. Sobram as fotos a serem apagadas das redes sociais de forma brutal, como se o outro tivesse mesmo morrido. Sobra uma espécie de morte da unidade de que você fazia parte. E falta parte sua. E falta você quase inteiro, afinal, até sua integridade havia ficado comprometida. E, sobretudo, sobra a saudade dos tempos de outrora.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O ADEUS



É tão estranha a sensação da última vez. É tão silencioso o pranto contido e calado que nos desperta a ideia do “nunca mais”. A gente sente uma dor de parto que balança ossos e arrebenta corações. É quase como partir de si, já que aquilo que fica é tão seu, tão você. É como ir embora de algo que te pertence, entende? Que te contém e que está contido, sem mais.

Até os atos mais simples e pouco significativos do dia-a-dia ganham uma dimensão enorme quando se trata das vésperas do adeus. Porque despedir-se do que quer que seja é como rasgar. Raspar. É como arrancar sem anestesia. Não há anestésico para a dor do fim.

Foi assim, com o coração despedaçado, que eu me despedi da cidade onde nasci, cresci, dei os primeiros passos. Eram quase seis da manhã, mas o sol ainda não tinha aparecido por conta do horário de verão. A cidade adormecia e não sentia minha falta, embora dentro de mim houvesse uma estranha saudade pressentida. Foi melhor assim. Sei que ver aquele lugar acordado não me faria bem. Olhei fixamente para cada cômodo da minha casa. De alguma forma, tive a certeza de que jamais moraria ali de novo. Assim que deixei minha rua, vi pela última vez as luzes de Betim. Foi estranho. Logo eu, que sempre achei que aquelas luzes me ofereciam tão pouco, tive a impressão de que sempre tive tudo. Deve ser efeito da dor do adeus.

Chorei de modo ininterrupto nos primeiros vinte ou trinta quilômetros. E depois entendi que a vida é mesmo assim, cheia de últimas e primeiras vezes que nos marcam profundamente. Cheia de caminhos e rastros e tropeços. Cheia de começos e recomeços, de inícios e fins.

No alto dos cem quilômetros rodados, a minha tristeza tímida deu lugar a uma esperança insegura. Hoje é segunda-feira, dia em que costumam acontecer os grandes inícios. Dia de começar uma dieta, voltar ao trabalho, pisar com o pé direito. E eu também me sinto começando ou, quem sabe, recomeçando. O fim foi doloroso, é verdade. Mas o amanhã duvidoso e incerto até que faz bem. Nem sempre saber onde se pisa garante a tal felicidade. Saber que o futuro não está revelado e nem é muito previsível traz uma curiosidade indiscreta, uma ansiedade eufórica, uma vontade quase incontrolável de saber o fim. Mas aí vem a recordação: já passei por isso antes. E sei que o fim dos caminhos é só uma encruzilhada. Sempre haverá a próxima trilha. Porque viver é colocar na memória o que nos aconteceu. É passar algo do imaginário para a rotina, com uma dose do inesperado. E a vida... É só mais um recomeço.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

DECLARAÇÃO

Venho de uma família de pessoas simples que me matam de orgulho. De baleiro de cinema, meu avô materno se transformou em um homem forte, pai de três filhos e, mais tarde, um empreendedor. Foi por ele que eu dei os primeiros passos na minha jornada musical. Vovô Alaôr me presenteou com um tecladinho de brinquedo. As notas grudaram na minha vida. Mais tarde, as letras juntaram-se às notas. Pronto. Estava iniciado um caminho bonito, sonoro e sem fim. Minha avó, vovó Juju, carregou muitos pesos na vida, o que fez dela uma mulher guerreira que, por quarenta anos, lutou lado a lado com meu avô. Minha mãe conta que, da janela do seu quarto, via os dois trabalhando no correr da madrugada com os inventos do vovô. Sim, Alaôr não teve muito estudo, mas era dono de inteligência sem igual. Mamãe conta do macacão velho que ele usava para soldar peças e produzir ferramentas para vender. E eu me emociono.

Toda essa história fez com que Silvana, a minha mãe, aprendesse muito cedo sobre o valor de tudo. Nos idos dos anos 80, ela conheceu o meu pai, o Evânio. As trilhas se uniram perfeitamente, porque eles passaram a caminhar no mesmo ritmo e no mesmo sentido.

Eu cheguei. Ouvi dizer que, nesse dia, a felicidade se multiplicou. Era dezembro, época em que os corações já estão mesmo mais moles. Silvana dedicou-se tanto quanto pôde pra ser a melhor mãe do mundo. E é claro que ela conseguiu. Evânio, sempre cheio de orgulho de mim, queria gritar ao mundo a alegria de ser meu pai. Mas hoje sou eu que venho gritar tudo isso.

Dizem que a família é o retrato da gente. Sim, porque é o início de tudo. É a família que está ao seu lado no primeiro passo, na primeira palavra. E é a família que comemora com todos os outros passos e acompanha todos os seus começos: o primeiro dia de aula, a aprovação no vestibular, o primeiro emprego, o casamento, o primeiro filho...

Meus pais são minha grande sorte. É deles que vem o maior incentivo, a maior força, a minha fortaleza. É a eles que eu agradeço por tanta dedicação, por tantos momentos felizes e por terem me ensinado mais do que qualquer livro. É com eles que quero estar ao final de cada conquista. Porque, no fundo, todas as minhas conquistas também pertencem a eles.

Sempre haverá entre nós um laço que não se pode dizer com palavras. Esse amor está contido em cada detalhe: nos nossos cafés da manhã cheios de sorrisos e o “bom dia” de sempre, nos desabafos, nas tantas cartinhas que eu escrevi durante toda a minha infância, no beijo antes de dormir. Esse amor parece tão maior que eu!

Mamãe, é em você que eu penso sempre que o mundo lá fora me assusta demais. É você que eu procuro nos momentos mais incertos, quando o que mais preciso é ter certeza de mim. É do seu abraço que eu preciso a cada manhã, só pra me sentir inteira. É do seu braço forte e do seu coração companheiro que eu necessito só pra me encorajar pra vida. Porque a sua alegria é que me faz feliz, pode acreditar. É a você que eu devo minhas primeiras letras. Foi com você que aprendi a montar palavras. E nunca mais parei. É por você que sou.

Papai, é você que eu quero orgulhar pra toda vida. É seu sorriso que eu quero ver a cada degrau que eu conseguir subir. Há em mim um desejo enorme de nunca estar aquém do meu melhor, e isso eu também devo a você. É como diz a música: “Seus pés me abrem o caminho, eu sigo e nunca me sinto só.” É, papai, ter você é estar certa de uma proteção inabalável. É contar com a sua paciência do tamanho do mundo pra me ajudar até naqueles detalhes que são tão meus! É você que me ajuda a escolher um par de brincos, tolera minha indecisão e dá palpites. Às vezes te olho assim, dormindo ou assistindo um futebol, e acho que sou a pessoa mais sortuda do mundo. Você é tão parte de mim que é impossível não compartilhar minha vida, por inteiro, com você.

Esse texto é, na verdade, uma declaração. Mais uma declaração. Foi um modo que eu encontrei pra agradecer a minha família por ser tão maravilhosa. Por estar tão perto de mim. Por me acompanhar. Por gostar de mim em cada detalhe. E por me dar a certeza de que eu carrego comigo o mais precioso dos sentimentos: o amor genuíno e incondicional, verdadeiramente incondicional.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

SIMPLESMENTE

“Minha alma tem o peso da luz.”
Clarice Lispector


Tenho me sentido leve. As amarras, os velhos amores desastrados e as tantas exigências que eu impunha a mim mesma parecem ter voado em um balão de hélio sem destino e sem volta. O que eu sinto agora paira no ar. Quantos sentimentos, pressentimentos e ressentimentos já não moram em mim! Ainda quero me livrar de alguns pesares e de alguns pudores. E espero passar longe das palavras difíceis demais.

Eu, que sempre me considerei tão densa, tenho me achado diluída, dilatada. E, nesse momento, até me permito ser um pouco frágil, mimada e dengosa. Deixei na gaveta alguns pré-requisitos e pretensões. Mas pendurei na estante meus desejos mais sutis. O calendário inteiro passou a me seduzir. Quero o amanhã. Mas eu o quero sem a pressa desmedida de antes. Os dias me chamam. E eu simplesmente vou.