domingo, 1 de março de 2015

DIVAGAR

Os outros passaram pela rua de pedra. Maria permaneceu porque não sabia correr. Talvez porque os dedos dos seus pés se prendessem nas frestas que ficavam entre uma pedra e outra do chão e isso travasse seus passos. Talvez porque ela não soubesse passar por aquela estrada sem flertar com cada pedaço de vida pulsante em cada parte de mundo visível, imaginando também cada parte de mundo invisível e a infinitude dos mundos que cabiam dentro dela. Talvez porque assim, com a alma permanentemente encantada e curiosa, seu caminhar assumisse um ritmo próprio que não acompanhava o ritmo dos outros. Talvez porque ela questionasse a todo o tempo se aquela era mesmo a rota certa, se havia uma rota certa, se não seria ainda mais linda a rota dita errada. E então, ao questionar-se, deixava de marchar.

Os outros desapareceram no horizonte. Maria permaneceu porque não podia se apressar. Talvez porque caminhasse descalça com o objetivo ímpar de sentir inteiramente o atrito entre seus pés e as pedras, e por isso tinha a pele ferida. Talvez porque tivesse medo de chegar ao fim da estrada e descobrir que o fim não passa de uma interrupção brusca e que todo caminhar não é mais do que uma rota sem destino. Talvez porque, no fundo, suspeitasse que todas as rotas, certas e erradas, conduzissem a esse único fim, que não justifica de modo algum toda a pressa do andar. E então, tomada de suspeitas, novamente deixava de marchar.

Maria permaneceu, talvez porque se recusasse a marchar e ter o coração atado. Fez seu ritmo, traçou suas rotas e conduziu seus passos. Parou no caminho quantas vezes quis, para apenas admirar o sol, a sombra de si mesma que o sol produzia no chão de pedras e o modo com que a irregularidade do chão distorcia sua sombra. E pensou no quão belas são as distorções. Desejou ser assim, constantemente não linear e eventualmente fora da rota, até o fim.