quarta-feira, 31 de julho de 2013

NOS TEMPOS DO JARDIM

Escrevo na tela em branco do notebook enquanto ouço John Mayer dentro do meu quarto colorido pelo abajur vermelho. E não sei porque, mas tudo isso me lembra você. E lembrar de você me deixa absurdamente vulnerável e carente e propensa a te querer de novo mesmo sabendo que hoje essa página em branco não aceita nada além de um ponto final.

Encaro uma foto sua como se ela fosse me dizer alguma coisa. Fico analisando sua cara de homem escondendo seu coração de menino com a missão perpétua de descobrir o mundo. Fito seus olhos estáticos só pra fingir que, do lado de dentro do monitor, você olha pra mim. Fico investigando esses detalhes bobos, como a sua barba bem mais crescida do que na última vez em que te vi. Fico lembrando de como éramos no começo, do seu rosto liso e da minha franja, e do quanto era doce o que a gente sentia quando a sua mão tocava por descuido a minha entre uma brincadeira e outra. E fico pensando em como terminamos, você ainda tão menino querendo ser homem e eu tão mulher e ao mesmo tempo tão criança. Queria voltar no tempo pra encostar com inocência minhas unhas curtas na sua pele fina. Queria te convidar pra brincar só pra sua mão encostar tão sem querer na minha e só pra sentirmos tudo aquilo de novo. Mas hoje eu tenho unhas compridas, sua pele se tornou ligeiramente áspera e a gente de repente começou a sentir uma vergonha esquisita de brincar.

Quero escrever sobre tudo isso, sobre como deixamos de ser meninos e nos tornamos adultos (ou não), mas nossa história parece não caber nesse papel. Oscilo entre me sentir boba por ainda pensar na gente e me sentir boba por tentar escrever ao invés de sair daqui agora e ir até você te perguntar se é isso mesmo que queremos afinal. Oscilo entre o meu lado carente que queria morar nos seus versos e o meu lado orgulhoso que ameaça fechar a tela. Entre o desejo de firmar o dedo indicador no backspace e o desejo de bater na sua porta agora mesmo pra dizer que ainda aceito recomeçar.

A gente se perdeu no tempo, mas nossas brincadeiras de infância nos colocaram de novo frente a frente. Eu deixei de usar franja, sua barba cresceu. No fundo, ainda somos tão ou mais crianças do que naquela época em que brincávamos no jardim sem suspeitar de que já nos amávamos do lado de dentro. Nosso esconde-esconde tem quase as mesmas regras. Só que hoje, adultos orgulhosos que somos, ficamos adormecidos na contagem e ninguém tem coragem de sair pra procurar o outro. Nosso amor é quase o mesmo, mas em algum momento explodiu e passou a morar também do lado de fora. Talvez justamente quando sua barba começou a crescer e eu decidi ter unhas compridas porque todas as meninas mais velhas tinham e porque eu queria ser grande.

Antes de ir embora, solto todas pedras no chão de barro pisado desse quintal e me desarmo. Quero mais é cortar de novo minha franja e raspar sua barba, pra acreditar cegamente que a nossa história infantil ainda beira o possível e pra fingir que ainda temos a pureza da época em que nos tocávamos por descuido naquele jardim.