quinta-feira, 15 de setembro de 2011

ANTIMONOTONIA


“Qualquer coisa é a casa da poesia.”
Adélia Prado

Quero o gosto inexplicável da surpresa. Quero avistar um lugar imprevisível, que só vira poesia depois que se vê. Quero uma escapatória para o tédio que assola a vida da gente. Quero que tudo esteja além da rotina. Quero que meus dias inspirem loucuras nas páginas que escrevo. Quero que cada minuto me lembre de que nada precisa ser tão igual, homogêneo, uniforme, diário, cotidiano, exato, pontual. Quero o cheiro da novidade. Quero que tudo seja novo de novo a cada amanhecer. Quero um andar diferente, menos compassado e ritmado. Quero ventos que tragam delírio visível e palpável, que não deixem dúvidas de que há sempre espaço para o inimaginável e que há sempre tempo para imaginar.

A verdade é que a vida verdadeira não se constrói apenas nessas delícias. Não foi sustentando sonhos improváveis que eu escrevi minha história. Nem será nos devaneios que encontrarei as conquistas dos meus ideais. Não que o devaneio não nos sirva: serve e muito. No entanto, é preciso muito mais que um arco-íris pra voltar pra casa com o pote de ouro. Felizmente ou infelizmente, o dia a dia exige muito mais de nós do que sonhos secretos, frases enigmáticas e enganos. Já dizia Guimarães Rosa: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” Ele estava certo. É preciso coragem pra viver a vida que é de verdade. Pra entender que certo mesmo é o tempo presente, as pessoas presentes, a vida presente. Pra entender que nossas vontades imprimem, em nossa realidade, as cores dos nossos sonhos. E que existem infinitas outras cores além daquelas que nossos olhos são capazes de distinguir.

Entre a loucura e lucidez, existe um campo aberto. Assim fica mesmo difícil se situar na posição exata. Em algum momento, a razão nos sufoca. E surgem as vontades improváveis, que são muito mais numerosas do que as possibilidades prováveis que existem na nossa paleta de cores.  

É para suprir essas vontades todas que existe a palavra. Pra realizar o impossível. Pra satisfazer os loucos. Pra acalmar nossa inquietude. Pra gente desabafar. É esse o meu lado metalinguístico. É essa a minha linguagem. Não há lugar melhor pra se viver do que a “casa da poesia”.