quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

UM TAPA NA CARA

    céu de Cabo Frio na virada de 2008-2009 (foto: Silvana Prata)

Colecionei durante a infância doces recordações do Natal. Eu tinha pouco mais de seis anos e era feliz por motivos muito pequenos e absolutamente singelos. Era feliz porque meus avós, que na época ainda estavam fisicamente presentes, se deliciavam com a mesa farta preparada por minha mãe. Era feliz porque meus tios, que na época ainda eram casados, beijavam seus maridos e esposas, o que me levava a acreditar que tínhamos uma família tão grande e mais bonita do que aquelas dos filmes. Era feliz porque brincava e brigava com minha prima mais nova dentro do quarto. Era feliz porque meus pais me abraçavam o tempo inteiro e festejavam por estarmos todos juntos. E, como qualquer criança de seis anos, era feliz porque a árvore de Natal montada na sala estava cercada de embrulhos coloridos e porque a mesa na varanda contava com várias opções de sobremesa.

Hoje em dia quase todas essas lembranças são apenas docilidades de um passado que ficou arquivado no meu coração dentre as coisas mais lindas da vida. Meus avós são recordação terna e eterna. Meus tios e tias com seus maridos e esposas formam, dentro de mim, a imagem borrada de uma época em que eu ainda conseguia chamar de tio e tia as pessoas que se casavam com os irmãos dos meus pais. E fazia isso com toda a pureza de quem tem seis anos de idade e gosta das pessoas sem pé atrás. Minha prima é uma saudade impregnada no peito e uma vontade quase desesperadora de ter por perto alguém que tem quase a minha idade e um sorriso muito parecido com o meu. Presentes e doces ainda me atraem muito, mas diante deles me comporto hoje com mais serenidade.

Apesar de tudo isso ter ficado apenas na memória, esses detalhes ternos construíram em mim, ao longo dos sete primeiros anos da minha vida (época em que meus avós ainda me traziam presentes no dia 24), uma imagem mágica do Natal. Falar dessa data me traz algumas das melhores recordações que existem dentro de mim. Miniaturas de Papai Noel cantavam e dançavam pela casa. Nosso aparelho de som tocava clássicos como “Então é Natal”. Nosso jardim era iluminado por pequenas lâmpadas coloridas que me faziam sonhar com o dia em que o ano inteiro seria Natal.

Por outro lado, o dia 31 sempre foi um tapa na minha cara. Apesar da beleza dos fogos desenhados no céu, a virada do ano carregava uma angústia, um desespero, um incômodo. Ver a alegria de multidões pela TV só servia para esfregar na minha cara que a felicidade só era possível daquele jeito.

No ano de 2008 tentei fazer diferente. Fui à praia, pulei as sete ondas, me vesti de branco. Tudo conforme diz a lei. E fiquei ali, aguardando aquela explosão colorida no céu e dentro de mim. O céu festejava, mas por dentro eu permanecia com a mesma angústia contida e cada vez mais amarga de quem não aprendeu a festejar.

É importante esclarecer que eu não sou um ser humano naturalmente amargo e que festejo bem em determinadas situações. Fico por isso confusa, tentando compreender o que falta no ano novo para que eu consiga comemorá-lo ou o que falta em mim para conseguir enxergar tamanha beleza e renovação na união dos ponteiros em cima do número 12 no último dia do ano.

A divisão do tempo é genial, preciso concordar. O espaço de um ano, esse agrupamento de 365 dias (exceto em anos bissextos, só pra recordar), sua divisão em exatos 12 meses com aproximadamente 30 dias e por fim as semanas com cinco dias de labuta e dois de repouso. É também genial a divisão dos dias em 24 horas, ainda que esse número nos esteja parecendo insuficiente diante da rotina apressada e dos compromissos inadiáveis que surgem a todo instante na agenda. E são geniais até mesmo as horas, divididas em singelos minutos e segundos que nos fazem perceber a grandeza que podem carregar umas poucas frações de segundos em detrimento de tantas horas que significam tão pouco.

Mesmo reconhecendo a genialidade da organização dos dias em anos, nunca fui capaz de vibrar com o momento da virada e essa minha incapacidade me perturbava. É que todo esse clima de contagem regressiva me soa como uma obrigação, entende? Parece que o mundo me obriga a contar os segundos junto com a multidão desesperada. Parece que o mundo me obriga a suportar o sono até a meia noite. E me obriga também a desejar que os próximos dias sejam totalmente diferentes dos 365 anteriores, por mais que eles tenham sido lindos. E me obriga a fazer um milhão de planos, dos quais eu certamente só cumprirei metade. Mesmo consciente disso, a data me força a planejar. E me joga na cara, como que em um tapa de luva, que por alguma razão há gente mais feliz do que eu.

Hoje é dia primeiro de janeiro, data em que supostamente estamos mais predispostos a reflexões. O balanço de 2012 não podia ser melhor, principalmente porque realizei vários dos meus maiores sonhos e estive com o coração um pouco mais em paz do que em anos anteriores, quando copos d’água eram tempestades. Esse sepultamento de 2012 me deixa com um luto inevitável, preciso confessar. Mas, sendo bem realista, 2013 tem me dado muitos indícios de que há felicidade à vista. E tudo isso me leva a questionar se existe realmente tanta gente mais feliz do que eu.

Talvez aquela felicidade da virada que a gente vê na TV signifique, de fato, muito pouco. Em 2008, ano em que eu pulei as sete ondas e me vesti de branco, foram incontáveis as pedrinhas no caminho que me fizeram tropeçar e esfolar o joelho. Em 2012, colecionando feridas plenamente cicatrizadas e carregando um leve sorriso no rosto de quem já aprendeu a ser feliz tranquilamente, eu cheguei muito mais perto da pessoa que quero ser. Adoeci pouco. Até me aborreci algumas vezes, mas fui incrivelmente capaz de ver nos tropeços possibilidades de me tornar mais forte. Minha gastrite nervosa parece ter tirado férias permanentes. Tive duas ou três crises de choro bem controladas. Não me lembro de ter brigado feio com ninguém (incrível, não é?) e amei mais gente do que de costume.

Pensando por esse lado, talvez eu seja hoje mais feliz do que muitos daqueles que se embebedaram na areia de Copacabana. Pensando por esse lado, talvez a felicidade de verdade seja muito mais contida do que explosiva. Talvez a explosão colorida que por anos eu quis ver dentro de mim seja só um flash de quem amanhã possivelmente já nem saiba como suportar a vida que (feliz ou infelizmente) continua.

E fica aqui uma decisão: na virada de 2013 para 2014, nada de cobranças. Vou dormir mais cedo se estiver com sono, vou assistir a um filme ao invés do show da virada, vou passar comendo besteiras da geladeira no lugar do tradicional churrasco. O dia 31 é sempre um trampolim. O dia primeiro de janeiro é mais um dentre os outros 364 vindouros. Mais importante do que festejar a união de ponteiros em cima do número 12 é carregar no rosto um sorriso sossegado e uma poesia debaixo do braço, só pra começar o ano com letra maiúscula.