Ana tinha dezesseis anos quando decidiu
cursar Cinema porque queria contar histórias. Porque queria dizer às pessoas o
que ingenuamente julgasse ser verdade, sem perceber o quão impalpável era seu
sonho. Escolheu ser artista porque não se preocupava em ter muito e porque só
entendia a vida tecida pelo encantamento. Ana colecionava quimeras.
Ana desistiu de ser artista aos trinta
anos. Mais ou menos na mesmo época em que o aluguel subiu, quando já tinha
usado todas as suas roupas mais de trinta vezes, quando o tempero do
restaurante da esquina se tornou enjoativo, quando se cansou de calçar os
mesmos sapatos todos os dias, quando as contas em cima da mesa começaram a
empilhar. As quimeras agora empoeiram junto da coleção de vinis, que Ana já não
escuta por mera falta de tempo.
Ana tem quarenta e cinco anos, um
apartamento mobiliado, um carro razoável, um closet e mais sapatos do que dias
no mês. Ana tem um marido, dois filhos, passagens compradas para as férias na
Disney e reserva num restaurante da Augusta para a comemoração das bodas de
cristal. Ana tem tudo: casa, carro, mobília, família, uma conta no banco e, secretamente, uma
pontinha de inveja da menina que era aos dezesseis.