quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O AMOR QUE AMA E A FOLHA EM BRANCO

Sempre cultivei a mania de estampar minhas sete vidas aqui. Tenho um lado felino independente da taxonomia. Sobre minhas cândidas doçuras é que escrevo. Quanto às minhas ferocidades, às vezes omito. Não faço questão de me classificar.

Antes que alguém pergunte, essa não é uma história de amor.

Hoje, inexplicavelmente, encaro a folha em branco e não me lembro de palavra alguma que seja capaz de descrever o amor que eu sinto. Eu vou tentar: o meu amor não é carnal, não tem alvo e nem destinatário, não declara muitas condições e nem se esgota com as declarações. O meu amor é atemporal e sem dono. Amo tanto que já não sei registrar. Não agora. O que eu sinto pode, então, não ter nome. O que não tem nome, nesse mundo de meu Deus, teoricamente, não existe. Tudo bem. Deixo meu amor andar por aí, sem lenço nem documento, buscando finalmente e deliberadamente, amar. O meu amor está quase pronto.

A vantagem de me calar é que o silêncio nunca se contradiz.

Em um dia qualquer do passado, decidi que as cores do arco-íris já não me eram suficientes. Passei a combinar. Os primeiros riscos e rabiscos foram traçados. Os primeiros traços já diziam quem eu era. Eu me revelava. E me relevava.

Parte do que eu tenho é segredo. Outra parte é mentira. E existe, lá no fundo, alguma coisa que é tão verdadeira que nem precisa ser dita ou explicada. Olho mais uma vez para a folha em branco e tenho a estranha sensação de que tudo já está claro, dito, explícito. Mas, afinal, a falta de inspiração também deve servir para alguma coisa.

Me distraio com um ou outro objeto sobre a escrivaninha. Faço alguma viagem junto com as notas da música que escuto. Penso em Dom Casmurro e Capitu. Penso no tal amor de Dom Casmurro e Capitu. E não me agüento. Hoje eu, definitivamente, não estou poeta.

Quem vem aqui procurar por palavras e encontra silêncio, talvez não se dê por satisfeito. Nem todo mundo sabe ouvir o que nunca foi dito. Nem todo mundo sabe ler a folha em branco e é com essa verdade que me frustro. Estou inteiramente aqui. Mais do que nunca, talvez. Estou quase pronta. Estou na medida certa. Na medida que talvez esteja até errada, mas que é a minha medida. Estou aqui. E estou em nome do meu amor que insiste, incontrolavelmente, em amar.