quinta-feira, 26 de julho de 2012

AS(SIMETRIAS)



Já é mais de meia noite. E eu aqui, te relembrando e reconstruindo, com detalhes mínimos, uns poucos segundos que passei ao seu lado. Faço tudo isso com a mesma inocência com que uma menina revive mil vezes o momento do primeiro beijo antes de dormir. Reconstruindo seus braços fortes na medida certa, o corte impecável do seu cabelo, a gola das suas camisas bem passadas, o tênis limpo, os olhos de mistério sem vestígio, seu sorriso absurdamente simétrico. Você e sua maldita posição social. Eu e minhas ideologias regadas a sonhos baratos. Você e seu equilíbrio. Eu e minha corda bamba. Você, seu jeito politicamente correto de ser e seu otimismo invejável. Eu e meu estoque de angústias. Você, direita. Eu, esquerda. Pouco importa. Só por hoje, não quero ouvir seu discurso e suas propostas elitistas, típicas de quem nasceu em berço de ouro e coleciona camisas bem passadas. Só por hoje, não quero insistir em dizer sobre as crianças da Ásia que trabalham duro para colocar nos seus pés esse tênis limpo. Por hoje, e apenas por hoje, não pretendo quebrar sua simetria admirável com meus versos tortos. É que hoje tudo o que eu quero é morar nesses braços fortes, e fazer de conta que a tal “medida certa” é também a minha medida.