quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

AS SEGUNDAS INTENÇÕES NA ERA VIRTUAL

Quando meus avós se conheceram, em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais que se chama Matutina e hoje tem menos de 4.000 habitantes (imagine na época dos meus avós!), as segundas intenções eram declaradas de uma maneira muito mais bonita. Você pode até acreditar que hoje em dia tudo acontece mais rapidamente e que segundas, terceiras e décimas intenções são explicitadas com menos pudor. Mas quer saber? Os homens da minha geração não são corajosos como na época do meu avô. Até concordo que as mulheres, no quesito “coragem para se declarar”, avançaram bastante. Enquanto minha avó apenas trocava olhares, as mulheres da minha geração vão à caça, quase que literalmente. Será muito precipitado dizer que o homem se transformou na presa da relação?

Minha mãe me conta que Matutina tinha apenas uma rua principal onde tudo acontecia. É claro que a palavra “tudo”, naquela época, representava bem menos do que nossa imaginação fértil e precocemente exposta a conteúdos eróticos é capaz de nos fazer pensar. E era nessa rua que os jovens da cidade, homens e mulheres, caminhavam de um lado para o outro até, no máximo, dez da noite. Se o rapaz gostasse da moça, eles tinham que se cruzar umas duas ou três vezes para que na quarta fosse estabelecido um primeiro contato verbal. Daí em diante, ficava em ambas as partes aquela ansiedade prolongada pelo próximo fim de semana de flerte.

Já na época dos meus pais, se um cara gostasse da menina, pediria o telefone. Mas é importante ressaltar: naquela época, pedia-se o telefone para ouvir a voz. Pedir o telefone tinha aquele gosto de expectativa para o dia seguinte. E o dia seguinte tinha gosto de espera. E o toque do telefone tinha gosto de ansiedade. E toda aquela magia que eu, mera mortal do século XXI e participante dessa bendita (bendita?) sociedade pós-moderna, pouco conhecerei.

Quase cinquenta anos depois do encontro entre meu avô e minha avó e uns vinte e poucos anos depois do encontro entre meus pais, muita coisa mudou. Mulheres também tomam iniciativa quando gostam de um cara, o que é ótimo. Os homens (e também as mulheres) continuam perguntando o nome, mas já não sei o quanto essa informação é relevante quando se trata apenas de uma “pegada casual”. Os homens continuam pedindo o número do telefone, mas o que sobra para o dia seguinte não passa de um torpedo no celular ou uma mensagem no facebook. O toque prolongado de ligação está praticamente morto: foi substituído pelo toque curto e seco dos torpedos. Não adianta a TIM estabelecer o simbólico valor de R$0,25 para ligações de TIM para TIM. Mesmo a operadora sendo a mesma, ele (quase) sempre vai preferir te convencer em uns 200 caracteres frios e impessoais. E é nesse ponto que eu quero tocar.

Em uma roda de amigas, deixo claro que a última coisa que eu quero é um namorado que me dê bom dia, boa tarde e boa noite por mensagem de texto. Todas se chocam. Uma das minhas amigas tenta me explicar que o objetivo da mensagem de texto é te deixar o dia todo em contato com o ser amado. E que é lindo quando o cara manda uma mensagem só pra dizer que está pensando em você. Posso ser sincera? A ideia de estar o dia todo em contato com o ser amado me causa enjoo independente de quem seja esse ser. E prefiro infinitamente ouvir uma voz máscula me dizendo que está pensando em mim e que ligou só por isso a ter aquela sensação de obrigação de apertar o botão “responder” e digitar o óbvio. Mensagens de texto dizem nada mais nada menos do que o óbvio, como “estou com saudades”, “estou pensando em você”, “te amo” ou “não vejo a hora de te encontrar”. Se fosse imprevisível, seria uma ligação. A voz do outro (ainda que dizendo esses mesmos clichês) assume uma imprevisibilidade deliciosa, talvez simplesmente porque tira nossa possibilidade de controlar o diálogo pensando mil vezes antes de digitar a resposta. Falar ao telefone é comprometer-se a responder sem pensar demais, é ouvir o que não foi previamente planejado, é correr o risco de não saber o que dizer, é escutar a respiração, é suportar os espaços vazios da conversa que precedem as respostas. Falar ao telefone é até mesmo estar em silêncio, sabendo apenas que o outro está do lado de lá. Falar ao telefone é entregar-se e apreender o outro por alguns minutos. Nenhuma mensagem de texto jamais cumprirá esse papel.

Diferente da época dos meus avós e dos meus pais, nos dias de hoje quase nada é combinado frente a frente, ao vivo e a cores, pessoalmente, olhos nos olhos. As conversas que precedem o encontro são mediadas pelo monitor, que inevitavelmente confere ao relacionamento incipiente um certo descompromisso. A impossibilidade de mergulhar na tela e abraçar nos priva de uma das formas mais antigas e mais sinceras de afeto.  A consciência de que tudo pode terminar a qualquer momento através unicamente de uma palavra escrita causa insegurança. A ausência da entonação pode fazer com que uma frase assuma dimensões jamais pensadas. A mediação da tela parece nos encorajar a dizer e fazer o que jamais diríamos ou faríamos pessoalmente. A eliminação de filtros como “boa educação” e “consideração com o próximo” faz com que nos sintamos capazes de ignorar ou mesmo soltar verdades doloridas demais sem qualquer eufemismo. Online, nunca temos tanto a perder.

Como se não bastasse, a mediação da tela traz para o mundo não virtual um estranho desconforto, como se a realidade já não fosse nossa casa. As paixões têm começado cada vez mais diante do monitor e, ao sermos expostos ao contato físico, recuamos. Desviamos o olhar. Fingimos não ver como se tivéssemos treze anos. O que está acontecendo com a gente?

É preciso muita coragem pra romper as barreiras que o mundo virtual constrói e, no lugar delas, construir uma ponte fisicamente transitável. É difícil substituir a troca de dados, de torpedos e de caracteres pela troca de olhares. Mas eu insisto em querer que os olhares se cruzem e que o celular toque prolongadamente.